Com cena de sexo oral explícito, filme do diretor de "Azul É a Cor" escandaliza Cannes
O cineasta tunisiano Abdellatif Kechiche voltou a gerar polêmica no Festival de Cannes, seis anos após as cenas quentes de sexo lésbico de "Azul É a Cor Mais Quente"(2013), quando ganhou o prêmio máximo do evento.
Em "Mektoub, My Love: Intermezzo", na disputa pela Palma de Ouro, o diretor mostrou uma longa cena, de aproximadamente 15 minutos, em que um homem faz sexo oral em uma mulher, em um banheiro de boate. Na cena, vê-se nitidamente o órgão sexual feminino e as nádegas da atriz, às vezes em close, mas o corpo masculino fica sempre em segundo plano. No total, o casal faz sexo oral quatro vezes seguidas, com direito a orgasmo feminino em todas.
O filme gerou choque em parte dos espectadores, pela crueza e pelo excesso de duração da cena. Mas também houve quem torcesse o nariz à duração total do filme: três horas e meia (uma versão anterior tinha quatro horas, mas foi editada por Kechiche antes de chegar a Cannes). Na sessão para a imprensa de ontem à noite, um número considerável de jornalistas deixou a sala antes do fim.
"Não respondo sobre a duração: quis fazer um filme bastante livre, apenas", disse o diretor, em conversa com a imprensa.
Embora tenha sido aplaudido ao final, o filme também recebeu algumas críticas, sobretudo de mulheres, que consideraram a obra sexista pela objetificação do corpo feminino - o longa se detém grande parte do tempo sobre corpos femininos, com uma visão algo fetichizada, enquanto o masculino aparece bem menos. Crítica parecida já havia sido feita ao filme anterior de Kechiche, "Mektoub, My Love: Canto Uno" (2017), exibido há dois anos no Festival de Veneza.
"A partir do momento em que temos uma experiência [diferente], nem todos estão abertos e sensíveis a esse olhar novo. Isso não me incomoda. Seria desastroso se todos vissem as mesmas coisas [que filmo] da mesma maneira que eu vejo", disse Kechiche.
Segundo o diretor, os corpos que mostra têm um apelo metafísico. "Quis mostrar o que me faz vibrar, os corpos, ventres, capazes de me levar a outros estados."
Segunda parte de uma trilogia sobre amores de juventude, "Mektoub" tem um trama bem simples e pouquíssima ação: basicamente mostra um grupo de jovens em um balneário francês, em constante flerte. Há duas partes: uma na praia, quando dois rapazes se aproximam de uma moça e a apresentam a seu grupo, em cena que ressalta corpos seminus de mulheres, após um banho de mar. A outra é em uma danceteria, onde o tempo todo os homens dão em cima das mulheres - mais uma vez, a câmera de Kechiche paira sobretudo sobre as curvas femininas, em danças sensualizadas, com shorts minúsculos e cabelos molhados de suor.
O filme, embora claramente objetifique a mulher, também mostra seus corpos como livres, donos de si e desejosos de prazer. A dicotomia entre o enfoque machista, mas ao mesmo tempo reconhecedor da emancipação feminina sobre o próprio desejo, o tornam um dos longas mais complexos e comentados desta edição do festival. O vencedor da Palma de Ouro será conhecido amanhã.
Atriz deixou projeção
Ontem, a atriz que protagoniza a cena de sexo oral, Ophélie Bau, deixou a projeção de gala do filme,.Hoje, na sessão de fotos e na entrevista coletiva de imprensa da equipe, ela também não esteve presente.
No final da sessão, Kechiche saiu literalmente correndo da sala, embora primeiro tenha pego o microfone para dizer: "Peço desculpas por manter vocês aqui sem adverti-los e agora vou embora!".
"É a minha educação. Peço desculpas por manter as pessoas na sala e de atrair a atenção para mim", argumentou o diretor nesta sexta.
O 'desastre' de Cannes
Em Cannes, a crítica não demorou a reagir ao filme que se tornou o mais polêmico de La Croisette.
O "desastre" de Cannes, escreve Justin Chang, crítico do "Los Angeles Times", que se pergunta se o Festival de Cannes está "trolando" os espectadores, ao incluir esta produção na competição oficial, onde concorrem grandes figuras da Sétima Arte, como o britânico Ken Loach, o americano Terrence Malick, ou o espanhol Pedro Almodóvar.
O crítico do jornal espanhol "El País", Carlos Boyero, admirador de "Azul é a cor mais quente", vai além em sua reação: "Que tipo de substâncias o diretor ingeriu e como afetaram seu cérebro para cometer tamanha e infinita estupidez?".
Outros apreciaram o filme, como o crítico francês Philippe Rouyer, que considerou que Kechiche "radicaliza seu método para nos fazer compartilhar uma noite louca de desejos em uma discoteca. Parabéns a todos os intérpretes que se entregaram totalmente para recriar este transe magistralmente filmado".
A forma de filmar os corpos femininos de Kechiche também incendiou as redes sociais.
"Para você público, contei todos os planos que mostram bundas no #MektoubMyLoveIntermezzo: há 178. Se tirarmos isso, acho que o filme dura 20 minutos", tuitou a jornalista Anaïs Bordages.
Não é a primeira vez que Kechiche causa polêmica. As atrizes principais de "Azul é a cor mais quente", Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos, denunciaram duras condições de filmagem, pouco depois de ganharem a Palma de Ouro em 2013.
Outro escândalo persegue o cineasta. Uma mulher de 29 anos o denunciou por agressão sexual no ano passado. No início de maio, uma fonte ligada ao caso afirmou que a investigação segue seu curso. Questionado hoje sobre o assunto, Kechiche considerou a pergunta "perversa" e garantiu ter a "consciência tranquila no que diz respeito às leis".
*Com informações da agência AFP
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