Fogo, mar congelado, confinamento: os perrengues de se rodar um filme na Antártica
Imagine permanecer um ano longe da família e amigos, em um alojamento provisório em uma ilha da Antártica, com temperaturas que vão de 15 graus, no verão, a cerca de 25 graus negativos no inverno. Pense agora que você é um documentarista e sua missão é registrar o dia a dia de uma estação brasileira de pesquisa podendo fazer apenas duas viagens ao continente. Problemas e contratempos de produção? Apenas o tempo todo.
O documentário "Antártica por um Ano", dirigido pro Julia Martins, que estreou ontem nos cinemas, pode ser definido como um exercício pleno de persistência e amor ao cinema. O grupo de três cineastas acompanhou a rotina de 15 integrantes da Marinha brasileira, o chamado grupo base da estação Comandante Ferraz, que durante 12 meses cuidou de toda a infraestrutura e logística do local de trabalho dos pesquisadores da flora e clima do continente.
Desde o início, a aventura, que começou com fogo e tragédia, contou com uma série de imprevistos meteorológicos, técnicos, psicológicos e a inesperada impossibilidade cumprir o cronograma de produção. "Já fiz projetos complicados, mas esse ultrapassou todos os limites", diz ao UOL a Julia Martins. "Tivemos de lidar com frustrações diárias. E, para alguém que é do cinema, em que tudo precisa ser planejado, incluindo o aluguel do equipamento, isso é muito difícil de lidar. Foi um aprendizado."
Fogo e tragédia
A aventura dos documentaristas começou da pior forma possível. No dia 25 de fevereiro de 2012, uma semana antes do embarque do grupo para a Antártica, um incêndio de grandes proporções atingiu a estação brasileira, consumindo cerca de 70% das instalações. Dois militares morreram na tragédia, que começou com o fogo da casa das máquinas. Dois anos depois, as atividades da estação foram retomadas com a instalação de módulos emergenciais, que foram mostrados no documentário nas filmagens feitas entre outubro de 2015 e outubro de 2016.
Dificuldades para chegar
Nada é tão difícil que não possa piorar. Em outubro de 2015, quando a equipe do filme finalmente pôde partir de navio do Rio rumo à Antártica, a viagem precisou ser adiada por tempo indeterminado. Devido à baixa temperatura do mar do Polo Sul, cerca de 3 graus a menos que o previsto, e das águas revoltas no estreito de Drake, a passagem que separa a América do Sul do continente antártico, todos precisaram esperar em uma base na cidade de Puerto Williams, no Chile. E o pior: por questão de segurança, ninguém poderia deixar o navio oceanográfico. Apenas duas semanas depois a comitiva teve autorização da Marinha para zarpar, e a viagem que demoraria no máximo três dias levou duas semanas.
Problemas para voltar
Em março de 2016, a equipe do filme tinha agendada sua segunda viagem à Antártica, depois da primeira temporada de três semanas. Ela seria feita pelo ar, em um avião Hercules da FAB (Força Aérea Brasileira), pois não havia mais navios disponíveis para o translado. A aeronave decolou e chegou a sobrevoar a estação, mas, por problemas técnicos, teve de retornar ao Chile. O problema: aquele era o último voo brasileiro até a península antártica antes de o inverno chegar. Ou seja, os documentaristas ficaram sete meses longe da estação, justo na época mais importante para o filme, o inverno.
Isolamento
"Ficamos uma semana no Chile aguardando uma oportunidade para voltar. Mas as condições climáticas não permitiram nossa ida a estação", explica a diretora. Câmeras foram deixadas com o grupo base para o registro do inverno, mas a maioria dos marinheiros preferiu usar o próprio celular para fazer as filmagens, incluindo as do congelamento da baia às margens da estação, quando focas tomaram conta do local. O imprevisto quase arruinou o documentário. "Ninguém chegaria ou sairia da estação até o próximo verão, mas nós mantivemos contato com eles durante todo o inverno. E eles nos contavam o que estavam filmando."
"Big Brother" no gelo
Permanecer ilhado no arquipélago das Shetland do Sul por um ano é um desafio físico e psicológico que desafiou os documentaristas e os integrantes do grupo base. Como as instalações eram provisórias, a diretora Júlia Martins precisou dividir quarto com seis pessoas. O diretor de fotografia Pedro Urano e o técnico de som Danilo Carvalho, com 14. A sensação de isolamento combinada com a de confinamento, que desgastava o relacionamento, era amenizada com eventos sociais, como festas juninas e de Carnaval dentro da estação. Também havia churrasco e futebol no gelo. "Isso fazia o grupo se unir e impedir que alguém se isolasse ou ficasse triste. É uma experiência muito difícil para quem não está habituado ao frio, e ninguém ali estava", afirma Julia.
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