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Por que o destino de Cersei em "Game of Thrones" decepcionou tanta gente?

Lena Headey como Cersei Lannister em cena de "Game of Thrones" - Reprodução/Twitter
Lena Headey como Cersei Lannister em cena de "Game of Thrones"
Imagem: Reprodução/Twitter

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

14/05/2019 04h00

ATENÇÃO: Este texto contém spoilers de "Game of Thrones". Não leia se não quiser saber o que acontece.

O episódio deste domingo de "Game of Thrones", que serve como o penúltimo da série, trouxe a morte de uma de suas personagens mais notáveis (e mais polêmicas): Cersei Lannister, a rainha interpretada por Lena Headey desde a primeira temporada.

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No capítulo "The Bells", Cersei se viu em uma situação cada vez mais desesperadora enquanto Daenerys (Emilia Clarke) transformava a cidade de Porto Real em ruínas. No fim das contas, enquanto tentava escapar da Fortaleza Vermelha, ela se reencontrou com o irmão e amante Jaime (Nikolaj Coster-Waldau).

Os dois tentaram fugir pelo subterrâneo do castelo, mas logo encontraram as saídas bloqueadas por rochas. Enquanto a Fortaleza desmoronava em suas cabeças, Cersei chorou, dizendo que não queria morrer e, especialmente, que não queria queria que seu filho morresse (a rainha estava grávida).

O destino de Cersei, embora emocionante e encenado de forma épica, com ótimas atuações de Headey e Coster-Waldau, deixou os fãs com um gosto amargo na boca. Dá para entender o motivo: assim como muitas coisas nesta última temporada de "Game of Thrones", o fim de Cersei traiu tudo o que a personagem representou até agora.

Cersei - Divulgação - Divulgação
Lena Headey como Cersei Lannister em tempos mais "felizes"
Imagem: Divulgação

Plantando sementes...

É difícil dimensionar o quanto a história de Cersei foi integral para "Game of Thrones". Embora Daenerys Targaryen e Tyrion Lannister (Peter Dinklage) tenham se tornado, provavelmente, os personagens mais icônicos da série, foi principalmente em Cersei que ela fundou seus temas mais importantes.

Basta olhar para o seu histórico. Por ter nascido mulher, Cersei foi negada desde o início de sua vida qualquer papel significativo na busca por poder e legado que consumia o primeiro homem que deveria amá-la, seu pai Tywin.

Cersei 2 - Divulgação/HBO - Divulgação/HBO
Lena Headey como Cersei Lannister, a rainha que "escolheu a violência"
Imagem: Divulgação/HBO

Ainda adolescente, se casou com outro homem (Robert Baratheon) que nunca pode lhe dar nada além de desprezo, porque estava perdido em sua paixão por uma mulher morta que nunca o amou de volta. Robert a traía sem nenhum pudor, sem nunca ser questionado (nem pelo "nobre" Ned Stark), e a tratava de forma horrível mesmo quando comparecia na cama do casal, bêbado.

Mesmo na posição de rainha, Cersei descobriu que continuava limitada pelas barras de uma prisão construída (ativa ou passivamente) pelos homens a sua volta. Neste contexto, se voltou para a única pessoa que parecia estar ao seu lado, e que experimentava semelhante desprezo público: seu irmão, Jaime.

Foi com ele que Cersei teve filhos, fingindo que eram frutos do casamento com Robert. Embora os amasse e quisesse protegê-los, ela logo percebeu, também, que pouco poderia fazer para impedi-los de se transformarem em instrumentos políticos que perpetuariam a opressão que ela sofreu por toda a vida.

Foi quando, ameaçada em seu pouco poder por uma mulher amada pelo povo (Margaery), Cersei tentou se aproximar de alguém que lhe desse esta vantagem e tirasse seus inimigos do caminho (o Alto Pardal). Seu erro foi achar que o povo seria capaz de perdoá-la após tanto tempo vendo-a como a mulher que traiu o rei com o seu irmão.

Depois de ser humilhada de uma das formas mais brutais imagináveis, Cersei escolheu a violência. E sim, ela se tornou uma tirana que não se importa com o bem-estar do seu povo, ou mesmo a sobrevivência dele. O que em sua vida lhe indicava que qualquer outro curso de ação seria melhor?

Daenerys - Divulgação - Divulgação
Emilia Clarke como Daenerys Targaryen no momento em que encarna a "rainha louca"
Imagem: Divulgação

... E (não) colhendo os frutos

Se essa é a história de Cersei Lannister em "Game of Thrones", não é também a história de todas as outras mulheres na série, e especialmente de Daenerys Targaryen? Que sentido faz enlouquecer a Mãe dos Dragões se não for para mostrar que até ela precisou admitir que a violência era sua única escolha?

Talvez em parte por ser escrita por homens, "Game of Thrones" não quer reconhecer, ou falhou em reconhecer, que essa era a história que estava contando. E talvez daí venha a necessidade de diminuir Cersei nos momentos antes de sua morte.

Ao invés de criar um fim para a personagem que fizesse jus ao discurso que ela representou em "Game of Thrones", David Benioff e D.B. Weiss a escreveram arrependida, patética, nos braços de um homem que, muito provavelmente, ela nunca amou de verdade. É difícil de engolir, não porque a amávamos ou a odiávamos, mas porque a conhecíamos -- e a mulher que foi soterrada nas ruínas da Fortaleza Vermelha não era ela.

No livro "Sete Minutos Depois da Meia-Noite", o autor Patrick Ness eternizou uma verdade inegável sobre a narrativa: "Histórias são como criaturas selvagens. Uma vez que as soltamos, quem sabe que tipo de destruição elas podem causar?".

David Benioff e D.B. Weiss erraram fatalmente com "Game of Thrones". Não (só) porque decepcionaram os fãs, mas porque tentaram domar a criatura selvagem que criaram e ensiná-la os truques de um animal doméstico qualquer.