"Fiz uma crítica à classe média armamentista", diz ilustrador do Dead Kennedys
A imagem de uma família de mote nazista empunhando armas e vestindo a camisa da seleção brasileira, com os membros maquiados de Bozo e palhaços, está fazendo barulho na internet. A ilustração ainda mostra tanques de guerra verde e amarelo, uma bomba atômica explodindo ao fundo e uma favela perdida em chamas.
"I love the smell of poor dead people in the morning" (amo o cheiro de gente pobre morta de manhã), diz um dos personagens retratados em inglês macarrônico. Tudo isso está no pôster oficial da nova turnê brasileira da banda americana de hardcore Dead Kennedys, que vem ao país em maio.
O autor da peça é o alagoano Cristiano Suarez, que se diz feliz e assustado com tanta repercussão. A imagem vem sendo replicada por sites e personalidades de esquerda, incluindo Mídia Ninja e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), como uma crítica ao governo de Jair Bolsonaro (PSL) e as forças conservadoras que ele representa.
"Não é uma crítica explícita ao Bolsonaro. O 'bozo' é uma alfinetada, mas eu queria mais criticar o estereótipo da classe média brasileira, que adotou a cultura do armamentismo, que louva armas e acha que é possível resolver tudo na base da bala, que acha que o exército deve cuidar da segurança pública", explica ao UOL Suarez, que foi contatado pela produtora da turnê, a EV7 Live, para criar o cartaz.
Segundo o artista, que já assinou pôsteres e capas de diversas bandas nacionais e internacionais, como L7, Pennywise e Ratos de Porão, a ideia era captar o espírito irônico e contestador do Dead Kennedys, uma de suas bandas favoritas.
"Eles são muito irônicos, e atiram para ambos os lados. Já criticaram o comunismo em 'Holiday in Camboja' e possuem várias músicas criticando a cultura conservadora, sobre os rednecks do sul dos EUA", explica. "Minha principal foi a faixa 'Kill the Poor', em que eles falam justamente disso, de como os pobres são subjugados pelo poder e pela ideia da truculência."
Quem é Cristiano Suarez
Nascido em Palmeira dos Índios, interior do Alagoas, Cristiano tem 32 anos e é formado em publicidade e começou desenhando bandas e logos na carteira da escola. A guinada profissional aconteceu em 2012, quando seu trabalho começou a chamar atenção de grupos e produtores estrangeiros.
Eleito um dos 200 melhores ilustradores do mundo pela revista Luzer´s Archive, o alagoano, que tem influências que vão de Robert Crumb à cultura dos zines, já assinou centenas de trabalhos, mas nunca um tão abertamente político. Temendo ataques virtuais, ele desativou sua conta pessoal no Facebook.
"Procuro evitar política por causa do extremismo das pessoas que não aceitam crítica de forma saudável. Meu trabalho não é extremamente explícito, e algumas pessoas vestiram a carapuça, de direita e esquerda. Não coloquei ninguém com faixa presidencial ali", afirma ele.
Cristiano Suarez se define como "centro-esquerda", sempre crítico do conservadorismo "que demoniza a arte e se descola da realidade". Exatamente por isso ele diz não ter votado em Jair Bolsonaro, cujo governo lamenta.
"Como fã de punk, tenho origem na anarquia, mas acho muito triste o que vem acontecendo no Brasil. Existem dois lados que não aceitam críticas. Hoje as pessoas acreditam cegamente no político ou o demonizam totalmente. Não acho certo. Não existe solução fora da democracia."
O que disse a banda
Após a repercussão da imagem, o Dead Kennedys divulgou um comunicado no Facebook explicando que o pôster da turnê brasileira, divulgado pela produtora EV7 Live, não teve autorização e "não reflete uma declaração política ou tomada de posição" dos integrantes.
A mensagem, no entanto, foi deletada cerca de 50 minutos depois da publicação.
"O Dead Kennedys é uma banda punk americana icônica que é conhecida por suas declarações políticas e assume uma forte posição anti-fascista, anti-violência, no entanto, a banda sente que não pode presumir saber o suficiente sobre situações em outros países para entrar em suas políticas específicas", escreveu o ex-grupo do vocalista Jello Biafra.
"A mensagem básica da banda tem sido, e ainda é, pedir que as pessoas pensem por si mesmas, não para lhes dizer o que pensar."
Suarez contesta: "Eles ficaram assustados com a repercussão. Todo material precisa de aprovação prévia. A pública, inclusive, foi para a página oficial deles."
O UOL entrou em contato com a produtora EV7 Live mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
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