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Momo já morreu: galeria em Tóquio é fonte inesgotável de memes macabros

Diego Assis

Do UOL, em Tóquio*

22/03/2019 14h54

Uma sucessão de mal-entendidos. Momo, a criatura de aparência perturbadora que tem tirado o sono de pais mundo afora por supostamente ensinar crianças a cometerem suicídio em vídeos na internet, não tem poderes sobrenaturais ou a capacidade de comunicar-se com quem quer que seja. Também não foi incinerada ou destruída por seu criador, o artista japonês Keisuke Aiso, em um ataque de fúria após a repercussão negativa que o caso rendeu. Momo, ou "Mother Bird", como se chamava a escultura de silicone de Aiso exposta em uma galeria de Tóquio em 2016, é só a mais nova vítima da máquina de fake news que opera nas redes sociais do mundo inteiro.

"Não sinto que eu esteja na posição de reclamar ou combater esse tipo de coisa. Momo se tornou um tipo de lenda urbana e isso traz uma atmosfera de mistério e interesse maior pelo meu trabalho", disse Aiso por telefone, ao UOL, ontem. "Mas é só você usar o Google que já vai descobrir se é falso ou verdadeiro. Ter a oportunidade de conversar com jornalistas de todo lugar, como você, é também uma chance para fazer com que a verdade chegue a mais pessoas."

As imagens da escultura hiperrealista de uma mulher com olhos esbugalhados e corpo de uma galinha não deveriam nem ter ganhado a internet caso as pessoas tivessem seguido à risca o aviso de "proibido fotografar", ainda hoje afixado na entrada da Vanilla Gallery, pequena galeria subterrânea no bairro descolado de Ginza dedicada a trabalhos de arte dark, erótica e fetichista.

Keisuke Aiso - Reprodução - Reprodução
Criador e criatura: Keisuke Aiso e Momo
Imagem: Reprodução

"Eu pedi para colocar a obra logo na entrada, para que a maior parte das pessoas visse. Alguém fotografou e foi aí que os rumores começaram", aposta Aiso. De fato, imagens de diferentes pessoas posando ao lado da estátua começaram a pipocar na internet já em 2016. Intrigados, porém desinformados sobre a real origem da foto, frequentadores de fóruns de lendas urbanas e horror passaram a criar e espalhar suas próprias versões sobre a criatura e estava formada a confusão.

"Fiz 'Mother Bird' inspirado nos yokai [espíritos e demônios do folclore japonês], especialmente em um conhecido como ubume. É sobre uma mulher grávida, que morre ao dar à luz. Minha intenção nunca foi a de assustar", reforça o artista que, no dia a dia, trabalha em um estúdio próximo a Tóquio criando máscaras e objetos cênicos para programas e propagandas da TV local. Batizada de Link Factory, a empresa também já criou peças e efeitos especiais para o cineasta de terror japonês Koji Shiraishi ("O Chamado vs. O Grito", de 2016, e "Funohan", de 2017).

Amante do cinema de horror norte-americano e europeu, Aiso, 44 anos, diz que Momo é também fruto de uma mistura deles com seu interesse por máscaras africanas e lendas mexicanas. É não, era. Produzida usando borracha de silicone, um material comumente adotado para fazer moldes por artistas, Momo teve vida curta e nem um ano após a exposição "entrou em decomposição", explica Aiso. O relato vai contra a explicação publicada em tabloides de que ele teria destruído a obra de propósito. "É um material que se usa em hospitais para cirurgias. Eu não esperava que decompusesse tão rápido como aconteceu", insiste.

Escultura  - Diego Assis/UOL - Diego Assis/UOL
Imagem: Diego Assis/UOL

Show de horrores

A quilômetros dali, no segundo subsolo da galeria Vanilla, em Tóquio, obras provavelmente mais perturbadoras que as de Aiso seguem ao alcance dos apreciadores de um estilo de arte que flerta com o grotesco, o macabro e o surrealismo pop, de nomes locais e internacionais como Naoto Hattori, Midori Hayashi, Karen Hsiao, John Santerineross e Trevor Brown.

Ao centro de uma sala minúscula, ladeada por fotografias de nus, bondage e simbolismo místico, um casal de ursos de pelúcia com rostos de bebês tem as vísceras expostas em uma espécie de mesa de cirurgia, com bisturis, tesouras e outros equipamentos cirúrgicos ao redor. Na sala dos fundos, apinhada de livros e objetos antigos, uma velha estante de vidro exibe esqueletos bizarros e frascos do que parecem ser fetos de animais preservados em formol.

Estabelecida em 2003 e voltada para um nicho bastante específico de público de arte contemporânea, a pequena Vanilla Gallery viu a procura por seu endereço explodir nos últimos meses, graças à fama de Momo, hoje uma de suas mais célebres mascotes. Uma passada pela ficha da galeria no Google registra dezenas de perguntas de usuários sobre o espaço, todas relacionadas à escultura/lenda urbana de Keisuke Aiso.

Questionada pela reportagem do UOL sobre o efeito do episódio sobre a venda de entradas e obras das exposições, uma funcionária da galeria que não pode se identificar admitiu: "As pessoas não param de vir. Mas quando chegam e descobrem que a Momo não está mais aqui, viram as costas e vão embora."

Talvez seja melhor assim. O mundo definitivamente não está pronto para mais uma onda de memes com bebês-ursos zumbificados perturbando pais e filhos por aí.

* Com colaboração de Tetsuya Uenobe e Fernando Saiki