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Como "True Detective" se tornou uma (ótima) paródia de si mesma

Mahershala Ali em cena da terceira temporada de "True Detective" - Reprodução
Mahershala Ali em cena da terceira temporada de "True Detective" Imagem: Reprodução

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

29/01/2019 04h00

Um mistério que se estende através das décadas, nunca inteiramente solucionado. Um detetive perturbado, que é interrogado por colegas anos depois do desfecho traumatizante da investigação inicial. Um crime com detalhes ritualísticos, que sugerem uma explicação macabra. É impossível afastar a sensação de déja vu durante os primeiros episódios da terceira temporada de "True Detective", que a HBO estreou neste mês.

Desta vez, acompanhamos Wayne Hays (Mahershala Ali), veterano da guerra do Vietnã e detetive policial, que se envolve no caso do desaparecimento de duas crianças em uma pequena cidade da região dos Ozarks, nos EUA.

A estrutura da narrativa tem muito a ver com a primeira temporada da série, lançada em 2014 e estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson. A produção, que se tornou fenômeno de audiência durante a exibição original, acompanhava dois detetives de personalidades opostas desenrolando uma série bizarra de assassinatos no interior norte-americano.

A terceira encarnação da série vem depois de um hiato estendido de quatro anos, motivado em grande parte pela recepção fria da crítica e do público à segunda temporada da antologia criminal criada por Nic Pizzolatto. Naquele segundo ano, estrelado por Vince Vaughn, Colin Farrell e Rachel McAdams, "True Detective" se perdia em uma trama criminal altamente complexa, que tentava analisar a tendência humana à corrupção.

Nic Pizzolatto com os dois troféus do sindicato de roteiristas que venceu por "True Detective" - Divulgação/IMDb - Divulgação/IMDb
Nic Pizzolatto com os dois troféus do sindicato de roteiristas que venceu por "True Detective"
Imagem: Divulgação/IMDb

Conforme os episódios do terceiro ano se sucedem, a impressão crescente é que "True Detective" se tornou uma paródia de si mesma. Não só a estrutura do impactante primeiro ano se repete, como os temas também: "True Detective", mais uma vez, quer transformar o mundo real em que seus personagens transitam, repleto de crimes brutais e sem sentido, em uma narrativa moralmente firme de luz contra escuridão.

O roteirista parece abandonar a sutileza, e busca revelar as entrelinhas de sua trama. Por exemplo: "True Detective" revisita a noção de que a vida de algumas pessoas pode ser resumida a um grande acontecimento (como o caso nunca solucionado de um detetive), que repercute e se repete com o passar dos anos, mas desta vez inclui um diálogo em que o protagonista e seu filho (Ray Fisher) discutem isso diretamente.

A terceira temporada, assim, se engaja em uma narrativa que é quase metaficção: ou seja, não só recria o caminho do primeiro ano, como reconhece que está fazendo isso. É como se a nova "True Detective" não fosse parte da mesma obra, mas sim uma criação nova que se inspirou na original desavergonhadamente.

Talvez tenha sido esse tom tão específico que tenha levado ao conflito, no set da terceira temporada, entre Pizzolatto e o diretor Jeremy Saulnier. O cineasta foi originalmente contratado para dividir as responsabilidades de direção com o criador, mas pulou fora do projeto após finalizar dois episódios, graças a "divergências de opinião" com Pizzolatto.

No lugar dele, "True Detective" contratou Daniel Sackheim, um veterano da televisão. A decisão pode se mostrar sábia: em meio a um discurso tão intrincado, quase irônico, a direção sóbria e precisa de Sackheim se mostrou um fator de equilíbrio que permite que a série não perca sua seriedade. Os temas que Pizzolatto repete aqui, afinal, ainda atingem notas emocionais muito verdadeiras.

A série sempre conversou de forma inteligente com clichês do suspense criminal, mas agora parece reconhecer que ela mesma faz parte do cânone de obras marcantes do gênero. O truque funciona porque existe cumplicidade com o espectador, que também pensa em "True Detective" desta forma, e que se mostra ansioso para embrenhar-se em uma trama envolvente, temperada por grandes performances do elenco -- mesmo que ela seja repetida.