Como Cary Fukunaga, diretor de "Maniac", pode mudar a franquia 007
Cary Fukunaga acaba de viver os dois dias mais movimentados de sua carreira. Na quinta-feira, o americano de 41 anos foi anunciado como o novo diretor da franquia 007. Na sexta, a Netflix liberou para o mundo a nova minissérie dirigida por ele: "Maniac", estrelada por Emma Stone e Jonah Hill.
Fukunaga se tornará o primeiro diretor norte-americano a comandar um filme de James Bond na história da franquia, e apenas a segunda pessoa não-caucasiana a ser contratada para o posto. Descendente de japoneses por parte de pai, o diretor segue Lee Tamahori, cineasta neozelandês de herança nativa (da tribo maori), que dirigiu "007 - Um Novo Dia Para Morrer" (2002).
Quem assistir aos 10 episódios de "Maniac" talvez entenda o que levou os produtores Michael G. Wilson e Barbara Broccoli a escolher Fukunaga para conduzir Bond. Com uma história maluca que compreende uma multidão de gêneros e estilos, "Maniac" exigia um diretor versátil e detalhista - duas qualidades que Fukunaga mostrou no decorrer da carreira.
Nascido em 10 de julho de 1977, na cidade de Oakland, nos EUA, o diretor vem de uma família de professores. Sua mãe, nascida na Suécia, ensinava história - mesma matéria na qual Fukunaga se formou na Universidade da Califórnia, antes de se transferir para Nova York e estudar cinema.
"Eu escrevi o meu primeiro roteiro, que tinha 50 páginas, aos 15 anos de idade. Era sobre dois irmãos apaixonados pela mesma enfermeira em um campo de batalha da Guerra Civil Americana", revelou o cineasta à revista "Interview".
Conforme o tempo passou, a aptidão artística de Fukunaga foi usada para outros fins. "Eu costumava fazer arte para as garotas. É o que eu fazia para elas gostarem de mim. Eu pintava retratos, ou fazia desenhos de coisas significativas para o nosso relacionamento. Eu usava a arte dessa forma, admito. Normalmente, funcionava", brincou ele em conversa com o "Vulture".
Cinema global
O jovem Fukunaga entrou na indústria cinematográfica como cameraman estagiário. Foi ao escrever e dirigir o curta "Victoria para Chino", no entanto, que ele encontrou sua porta de entrada para Hollywood. Lançado em 2004, o curta foi selecionado para o Festival de Sundance e ganhou o Oscar estudantil, um prêmio oficial dado pela Academia.
"Victoria para Chino" conta a história de um grupo de mexicanos que tenta entrar nos EUA dentro do baú de um caminhão de carga. O retrato vívido da cruel jornada deu a Fukunaga a reputação de um diretor de causas sociais conectado com a globalização do cinema.
Em seu primeiro longa, "Sem Identidade" (2009), ele abraçou essa fama. No filme, falado em espanhol e filmado em locação no México, acompanhamos uma garota hondurenha e um criminoso mexicano enquanto eles fazem a travessia para o território americano. "Sem Identidade" foi indicado ao Critics Choice Awards de melhor filme em língua estrangeira.
A afinidade do diretor com a cultura latina vem do segundo marido de sua mãe, que Fukunaga descreve como um surfista mexicano. "Por conta de divórcios e novos casamentos, minha família se tornou ainda mais multicultural - há muitas pessoas que eu amo que tem espanhol como sua primeira língua", revelou ao "Coming Soon".
Paradoxalmente, o próximo projeto de Fukunaga foi "Jane Eyre", adaptação do livro de Charlotte Brontë sobre uma jovem governanta (Mia Wasikowska) que acaba se apaixonando pelo patrão (Michael Fassbender) na Inglaterra do século XIX. Mais uma vez, o diretor brigou com o estúdio para filmar tudo em locação.
Fukunaga queria rodar o filme nas colinas e vales do norte da Inglaterra, com suas árvores retorcidas pelo vento e seus casarões empoeirados. Tudo para destacar uma parte "sombria" do livro de Brontë que não havia sido abordada em outras adaptações. "Os diretores sempre trataram 'Jane Eyre' como um romance de época, mas ele não é só isso", comentou ao "Movieline".
Nos holofotes
Após entrar para o time-A de Hollywood, no entanto, Fukunaga assumiu um novo desafio: a televisão. Ao dirigir os oito episódios da primeira temporada de "True Detective", ele consolidou o seu nome como um dos mais importantes da nova geração de cineastas.
Estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson como uma dupla de detetives investigando um assassinato durante anos a fio, "True Detective" foi muito creditada ao criador Nic Pizzolatto, mas a série não seria a mesma sem Fukunaga.
O cineasta trouxe consigo o diretor de fotografia (Adam Arkapaw, de "Reino Animal") e o designer de produção (Alex DiGerlando, de "Indomável Sonhadora") que criaram as imagens indeléveis da temporada. Também foi ele quem eternizou a longa tomada sem cortes no início do quarto episódio, que foi o aspecto mais comentado da série e lhe rendeu o Emmy de melhor direção em série dramática.
Seu trabalho foi tão essencial que, em uma segunda temporada sem ele, "True Detective" não conseguiu envolver o público nem a crítica. Ao invés de voltar para a série, no entanto, Fukunaga decidiu usar o prestígio recém-adquirido para realizar o seu projeto dos sonhos: "Beasts of No Nation", uma adaptação do livro de Uzodinma Iweala.
Fukunaga já havia passado sete anos trabalhando no roteiro do filme, que em 2015 se tornou um dos primeiros lançamentos de destaque da Netflix no filão de longas originais. Mais uma vez, o diretor viajou ao local onde sua história acontecia: no caso, o oeste da África.
Fukunaga filmou em Gana e escalou atores locais para encenar a história do pequeno Agu (Abraham Attah), que se torna uma criança-soldado em meio à Guerra Civil de um país não nomeado da África. O único astro do elenco é Idris Elba, que há anos é o favorito dos fãs para assumir o papel de James Bond quando Daniel Craig deixá-lo para trás.
De Pennywise a 007
Os anos entre "Beasts of No Nation" e "Maniac" foram um pouco conturbados para o diretor americano. Ele se envolveu na adaptação de "It: A Coisa", clássico de Stephen King, e chegou a entregar um roteiro para o estúdio, além de escalar Will Poulter ("Maze Runner") no papel do palhaço.
Acontece que a visão de Fukunaga era menos "Stranger Things" e mais terror adulto, incorporando as muitas maluquices cósmicas do livro de King. Para isso, Fukunaga também exigia um orçamento muito mais alto do que o estúdio estava disposto a dar.
No fim das contas, os conflitos fizeram com que ele deixasse o projeto, que acabaria sendo dirigido por Andy Muschietti. Fukunaga acabou apenas com um crédito de roteiro no filme, embora seu script tenha sido bastante modificado até chegar à versão que vimos nos cinemas.
No meio tempo, também produziu "The Alienist", que foi distribuída pela Netflix por aqui. Mais uma vez se voltando para o seu amor pela história, Fukunaga escreveu dois episódios da história de um psicólogo, um jornalista e uma detetive investigando os crimes violentos de um serial killer.
Com o lançamento de "Maniac", Fukunaga se prepara para o próximo estágio da carreira. Pensar o que ele pode trazer de novo para a franquia Bond deveria ser excitante até para os fãs mais dedicados do espião britânico.
Como cineasta, Fukunaga sempre busca autenticidade - seus filmes parecem genuínos simplesmente porque, com suas filmagens rigorosas em locação, são. Depois do artificial "007 Contra Spectre", criar um filme de Bond um pouco mais "pé-no-chão" pode ser uma boa ideia.
O americano traz também uma voz autoral clara e determinada para a franquia. Substituindo outro cineasta que tem uma visão muito particular, Danny Boyle ("Quem Quer Ser Um Milionário?"), Fukunaga sem dúvida vai exercer controle criativo maior do que a maioria dos outros diretores que a saga poderia ter contratado.
Em última instância, olhar para a carreira de Cary Fukunaga e imaginar como seria o seu 007 é para lá de animador. Resta esperar o dia 14 de fevereiro de 2020 para ver o resultado em "Bond 25".
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