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Inspirados por terror e HQs, brasileiros se destacam com capas para grandes do metal

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

17/07/2018 11h22

Além da música, a imagem sempre foi um atrativo para quem curte heavy metal, desde as artes de discos pioneiros como “Black Sabbath” ao visual de couro do Judas Priest e às pinturas faciais do metal norueguês. O tempo passou, o gênero já tem mais de quatro décadas, mas a importância de uma boa capa ainda pode ser um diferencial para um fã ouvir ou não um disco. Três brasileiros têm se destacado internacionalmente por seus trabalhos, chamando a atenção de algumas das maiores bandas do estilo.

Marcelo Vasco, Gustavo Sazes e Rafael Tavares são de uma safra de artistas brasileiros que, cada um com seu estilo, conquistaram espaço. Vasco e Tavares são da linha do metal extremo e costumam estampar os álbuns com imagens satânicas e provocativas, sendo que o primeiro conseguiu ilustrar até capas e merchandising do Slayer. Já Sazes tem um toque moderno e cheio de cores e assinou a ilustração do disco mais recente do Machine Head, por exemplo.

Em comum, o trio tem o fato de que o desenho apareceu como uma paixão antes mesmo da música. Desenhos animados, quadrinhos e cinema foram criando aqueles jovens desenhistas, que, quando conheceram o metal, acabaram fundindo os dois mundos e traçando o caminho deles até virar uma profissão.

O ilustrador do Slayer

Vasco conta que era um garoto que gostava de rabiscar tudo. No colégio, acabou virando alvo dos colegas, que gostavam de seus desenhos de monstros e pediam para que ele fizesse algumas ilustrações. “Uma vez, ainda nos anos 80, um colega trouxe uma fita-cassete de uma banda que tinha um monstro na capa e pediu pra eu desenhar pra ele. O monstro era o Eddie e o álbum era o ‘Killers’, do Iron Maiden. Foi amor à primeira vista e o ponto exato onde a música virou também uma paixão na minha vida.”

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Capa de "Repentless", do Slayer
Imagem: Marcelo Vasco/Divulgação

Além do que já via nas capas de metal, Vasco ficou marcado ao ver quadrinhos mais densos. “Os gráficos dos quadrinhos antigos do Drácula, do Conan e aqueles lindos filmes de ficção e terror dos anos 80 eram mágicos. Sem contar as capas dos discos, óbvio. Eu posso dizer que esse mix foi a minha primeira e principal escola”.

No caso dele, desenhar virar um trabalho começou por um motivo bem simples: sua própria banda, na qual era guitarrista, precisava de capas e layouts. Até hoje Vasco tem bandas, como o Patria, de black metal, mas sua fama maior veio na arte. Depois de desenhar suas próprias capas, ele recebeu convites de amigos e, no boca a boca, a coisa cresceu. Ao desenhar a capa do “Angelgrinder”, dos suecos do Lord Belial, ele percebeu que dava para focar nesta carreira, depois de um tempo com trabalhos mais gerais em design gráfico.

“Em 2008 eu decidi largar o emprego e me mudar pra Serra Gaúcha, me aventurando somente no mundo das artes, com esse foco na música. Eu já tinha uma gama boa de clientes na manga, o que me deu coragem pra arriscar, porque morando no Brasil eu tinha plena consciência de que as chances de obter sucesso profissional nesse ramo eram raras. Não foi nada fácil, ralei bastante, vivia isso dia e noite”, conta Vasco.

slayer 1 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Marcelo Vasco com Kerry King, guitarrista do Slayer
Imagem: Arquivo Pessoal

O artista elege três capas como suas favoritas: “Repentless”, do Slayer, “Winter Thrice”, do Borknagar, e “Enslaved”, da banda de Max Cavalera, o Soufly. Nem é preciso dizer que o Slayer foi o ápice, e também rendeu uma história curiosa.

Chamado pela gravadora do Slayer, Vasco passou um tempo lidando só com eles e trabalhando ideias para o “Repentless”, disco mais recente do quarteto de thrash metal, de 2015. A responsabilidade era grande, até por estar trabalhando com sua banda de coração. “Fiquei dias sem dormir, super estresse!”. O brasileiro recebeu uma resposta de que a banda havia gostado de um dos caminhos apresentados e que um dos integrantes entraria em contato direto.

“Naquele dia eu tinha ensaio com a minha banda e depois do ensaio eu iria encontrar a minha mulher e sair pra jantar. Então pedi pra ela ficar de olho no meu e-mail, caso alguém do Slayer me escrevesse. Quando eu sai do ensaio, ela falou ‘Chegaram vários, mas nada muito importante. Chegou um de um tal de Tom’. Achei que era piada, mas ela não se deu conta que o tal Tom era nada menos que o Tom Araya, vocalista e baixista da banda (risos)”, relembra ele, que em 1994 até fugiu de casa para assistir ao Slayer.

Rotina pesada

Parece fácil ser artista de capas, mas a demanda de trabalhos é pesada. “Para você ver, o Kiko Loureiro me chamou para ver o Megadeth e o Kiss em Lisboa. Tive que recusar”, conta ao UOL Gustavo Sazes, que mora em Portugal. Para ele, o sonho começou pela junção de três fatores: o gosto por heróis, com sua coleção da Marvel, o talento para desenhos e o fato de ter um computador. Os amigos sabiam de seus recursos tecnológicos e começaram a pedir capas de demo-tapes.

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Gustavo Sazes trabalha com nomes como Arch Enemy, Angra, Morbid Angel e Iced Earth
Imagem: Reprodução/Facebook

Hoje, Sazes tem assinatura em trabalhos marcantes: fez "Black Earth" e "War Eternal", do Arch Enemy, desenhou a capa de “Impermanent Resolance”, trabalho solo do vocalista do Dream Theater, James Labrie, e produziu a arte de “Catharsis”, mais recente álbum do Machine Head.

“Alguns trabalhos foram, acima de tudo, realizações pessoais, do tipo ‘sempre quis trabalhar com aquela banda’ e do nada a tal banda te chama”. Sazes diz que costuma ser muito bem tratado por alguns de seus ídolos, a ponto de dar para se sentir, pelo menos um pouquinho, parte das bandas.

“É mais fácil ter problemas com pseudo artistas intelectuais que são famosos na sua esquina do que com algum artista mais estabelecido. Sobre se sentir membro da banda há limites óbvios . Mas claro que se você trabalha pra mesma banda por anos, isso reflete numa cumplicidade maior, uma sintonia. Nesse sentido sim, você se sente parte do grupo”, refletiu ele.

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Caveiras e demônios

rafael tavares - Rafael Tavares/Divulgação - Rafael Tavares/Divulgação
Artista e tatuador, Rafael Tavares se destaca com suas capas obscuras
Imagem: Rafael Tavares/Divulgação

Assim como Vasco, Rafael Tavares se encaminhou para o lado mais extremo do metal, e cria desenhos soturnos e cheios de referências macabras em suas artes. “Desde bem moleque eu ficava rabiscando bárbaros, guerreiros medievais e personagens de filmes de terror em todo canto que podia. Meus cadernos de colégio tinham mais desenhos do que lição das aulas”, brinca ele, fã de artistas como Simon Bisley, Dan Seagrave, Ed Repka, Ken Kelly e Frazetta.

Tavares trabalhou com publicidade, mas desde adolescente queria criar seus desenhos voltados ao metal. Hoje, além deste trabalho, é tatuador.

“Eu me divirto mais quando o cliente me deixa com bastante liberdade criativa. Normalmente tenho uma conversa com o cliente, olho algumas letras, título do trabalho e vou fazendo alguns esboços bem simples até chegar em alguma ideia que eu ache que possa ficar bacana. Daí mostro pro cliente e se ele der o OK, começo a trabalhar em cima”, explica ele, sobre o processo de criação, que inclui trabalhos para nomes como Torture Squad (Brasil), The 3rd Attempt (Noruega) e Killgasm (EUA).

Um dos grandes trabalhos de Tavares está chegando ao mercado e vem de uma parceria com Marcelo Vasco. Eles assinam, juntos, a capa do novo álbum do Metal Allegiance, um supergrupo formado por David Ellefson (Megadeth), Mike Portnoy (ex-Dream Theater) e Alex Skolnick (Testament).

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Capa do Metal Allegiance
Imagem: Divulgação

Vasco explicou a iniciativa, já que é rara uma colaboração na criação de uma arte. “Gosto muito do trabalho do Rafa e quando me procuraram para uma abordagem mais ‘caricata’ para a capa, achei uma boa opção juntarmos forças. Vi a capa se encaixando nitidamente nos traços deles e o convidei. Fiquei muito feliz por ter feito parte desse lançamento, no meio de tantos monstros da música, além de ter tido a oportunidade de convidar o Rafa, um artista super talentoso e também brasileiro.”

Arte e bandeira

Os três artistas concordam que a nacionalidade faz pouca diferença para seus bons momentos na profissão. Mas Rafael Tavares lembra que a tradição do Brasil no metal pavimentou o caminho lá nos primórdios da música pesada.

“O Brasil tem um peso forte quando se trata de música pesada, principalmente por conta do legado de bandas como Sepultura, Krisiun, Sarcófago... Mas assim como na música, acredito que nas artes a nacionalidade acaba sendo um detalhe, o que conta de verdade é a competência e comprometimento”, opina ele.

Vasco diz que os tempos de internet ajudaram. “Hoje temos artistas gráficos ótimos aqui no Brasil, trabalhando para bandas de fora. Com a internet do jeito que está, o mundo ficou pequeno. Talvez há 20 anos algumas pessoas ficassem até surpresas, mas hoje em dia é bem comum”, conclui o músico do Patria - veja abaixo um lyric video da banda.