Nem Dio nem Simmons: "Chifrinho do metal" surgiu com banda obscura dos anos 60
13 de julho, Dia do Rock. Se tem algo que liga os fãs do gênero é aquele já conhecido símbolo com as mãos: dedos indicador e mindinho levantados. O chamado "chifrinho do metal" acabou virando marca registrada, mas sua origem já foi alvo de polêmica, como quando Gene Simmons tentou patentear oficialmente uma de suas versões e foi criticado pela mulher do vocalista Ronnie James Dio, que popularizou o gesto.
O que nem todo mundo sabe é que a origem do símbolo, no que se refere à música, é ainda mais antiga do que as referências de Dio e Simmons e remete à década de 1960. Em 1969, a banda de rock psicodélico Coven, dos Estados Unidos, trouxe um ar de culto diabólico às artes de seu primeiro disco: "Witchcraft Destroys Minds & Reaps Souls".
Na contracapa, dois dos músicos aparecem fazendo o sinal. Além disso, frases como "Hail Satan" (algo como "Salve Satã") e o uso de imagens de caveiras e de cruzes invertidas mostravam o tom obscuro adotado pelo grupo, que gravou uma música chamada "Black Sabbath" antes de a banda inglesa considerada pioneira do heavy metal gravar seu álbum de estreia. Uma faixa de 13 minutos fecha o disco, com uma missa satânica.
Apesar de hiatos na carreira, o Coven atualmente está ativo com seu rock psicodélico e proto-metal, e tocará no Brasil no fim de setembro. A vocalista Jinx Dawson faz questão de defender com unhas e dentes a importância da banda na propagação do "chifre do diabo". Ao UOL a artista de 68 anos contou que as origens de sua família explicam a adoração pelo oculto e levaram à imagem satânica do Coven.
"Eu nasci no ocultismo. Venho de uma criação em que meu avô e meus tios-avôs eram parte do pós-vitorianismo, em que os interesses populares iam de qualquer coisa do Houdini a fantasmas, leitura do futuro e vodu", explica Jinx. O acesso a uma larga biblioteca do assunto e a influência de sociedades secretas de que eles participavam, inclusive com a realização de rituais, foram um prato cheio para a jovem, que diz ter sido educada dentro da "mágica".
Jinx chama para si a responsabilidade pelos chifrinhos na contracapa do disco de estreia da banda. "Eu queria usar o 'sinal dos chifres' no álbum porque seria um reconhecimento por eu ter crescido na família que cresci."
O que os Beatles tem a ver com isso?
Você já olhou com atenção para a capa de "Yellow Submarine"? Nela, John Lennon aparece fazendo um símbolo como o do diabo. Seriam eles, então, os pioneiros? Jinx diz que não.
"Eu era amiga do George [Harrison] e uma vez Ringo alugou uma casa em Hollywood Hills, onde eu morava. Perguntei para eles sobre isso no início da década de 1980 e eles não sabiam do significado até eu lhes explicar. Eles nunca ligaram o símbolo de 'Yellow Submarine' a algo satânico. Para eles, era o sinal usado por surdos para dizer 'amor'", afirma a cantora.
Um grande equívoco em todos estes anos: muitas pessoas e personalidades já apareceram fazendo o símbolo com a adição do dedo polegar levantado, que significa o que Jinx alerta: amor. O próprio Gene Simmons, do Kiss, costuma fazer o gesto desta forma.
Dio e o 'maloik'
Vocalista de bandas como Rainbow, Black Sabbath e dono de uma extensa carreira solo, Ronnie James Dio foi o responsável por popularizar, de fato, o sinal e torná-lo uma identificação de toda a cena do metal. Dio, que morreu em 2010, tinha sua própria versão para explicar o uso, dizendo que era uma tradição familiar e era chamado de 'maloik', um gesto feito para espantar o mau-olhado.
Ricardo Batalha, jornalista que escreve sobre metal desde a década de 1990 e teve um programa de TV chamado "Maloik", explica que, apesar de ter aparecido na contracapa do Coven, o sinal ganhou fama com Dio o fazendo nos palcos. "Dio foi quem o explorou dentro do heavy metal e, com todo respeito, não dá para comparar a amplitude da obra de Dio com a do Coven. Certa vez, entrevistei o Dio e fiz esta pergunta. Ronnie respondeu que, no caso dele, foi porque sua avó era italiana e usava o 'maloik' para protegê-la contra o olho do mal", afirma Batalha.
À revista "Roadie Crew", Dio explicou: "Quando eu era criança eu via minha avó usá-lo com frequência e, assim, desde a fase do [grupo] Rainbow eu comecei a fazer o sinal. Mas no Black Sabbath, quando queria fazer uma figuração de algo mais malvado, fazia o símbolo com as mãos. As coisas foram indo e isso acabou se tornando algo mundial."
Jinx diz que teve contato com Dio desde a década de 1970 e afirma que ele também conheceu o símbolo através do Coven, já que eles frequentavam os mesmos clubes noturnos. "Os integrantes do Coven faziam o símbolo para seus amigos. Uma vez Ronnie perguntou o que estávamos fazendo e nosso baterista explicou a ele, que começou a usá-lo, dizendo que tinha aprendido de sua avó".
A vocalista diz que há uma diferença, que o maloik é feito em direção à pessoa e que o "chifre do diabo" é feito para cima, e que Dio acabou confundindo as duas coisas. Independentemente da versão em que se queira acreditar, os holofotes que Dio atraiu com sua carreira de sucesso no Black Sabbath tornaram o fenômeno um caminho sem volta.
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Gene Simmons e a patente
Em junho de 2017, Gene Simmons causou uma enorme polêmica. Louco para registrar produtos em seu nome, como faz com tudo do Kiss, o músico resolveu tentar patentear o símbolo. A notícia repercutiu muito mal.
Ele afirmou que fez o gesto pela primeira vez em um show em 1974, mas quase sempre usou o símbolo com o polegar levantado, como se diz "amor" na língua dos sinais. Uma versão sem o dedão aparece um tanto discretamente no álbum "Love Gun", de 1977.
Viúva de Dio, Wendy criticou a iniciativa à época, chamando-a de "uma piada" e "maluquice". "Tentar tirar dinheiro de algo assim é nojento. Este símbolo pertence a todos, é domínio público e não deve virar marca registrada", opinou ela. Simmons desistiu pouco depois de buscar a patente.
Para Jinx, não é mais possível querer se tornar dono do gesto. "Eu tentei corrigir as informações incorretas por anos, mas hoje este símbolo ganhou vida própria. O símbolo dos chifres sempre foi para ser algo secreto, para continuar sendo algo esotérico", defende ela, que leva a sério o ocultismo e diz que o único músico que viu realmente praticar o que diz é Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin.
O Coven, segundo Jinx, segue fazendo sua performance como uma "ópera-rock sombria", como nos anos 1960. E é isso que ela promete para sua estreia no Brasil, no festival Setembro Negro, que acontece nos dias 29 e 30 de setembro, em São Paulo.
"Tenho amigos queridos no Brasil com quem mantenho contato e espero vê-los nesta visita. Quero levar nossos rituais, cânticos e histórias de ocultismo de nossas canções, além de um pouco de mágica dos velhos tempos. Estou ansiosa para conhecer a música mística do Brasil", concluiu Jinx, que certamente será saudada com muitos "chifrinhos".
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