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Horror sobre lobisomem em SP, "As Boas Maneiras" é o filme mais surpreendente do ano

Cena de "As Boas Maneiras" - Divulgação
Cena de "As Boas Maneiras" Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

06/06/2018 04h00

Não é segredo dizer que “As Boas Maneiras” é um filme sobre lobisomem, mas o longa-metragem que entra em cartaz nesta quinta (7) vai muito além dessa criatura tão presente no folclore brasileiro.

Novo filme da dupla Marco Dutra e Juliana Rojas, “As Boas Maneiras” é uma verdadeira depuração do gênero horror. Em pouco mais de duas horas, eles vão do clima de mistério e erotismo a uma legítima aventura juvenil, nos moldes “Sessão da Tarde”, sem deixar de fora o humor e a tensão social.

Cena do filme "As Boas Maneiras", de Juliana Rojas e Marco Dutra - Mathues Rocha/Divulgação - Mathues Rocha/Divulgação
Cena do filme "As Boas Maneiras", de Juliana Rojas e Marco Dutra
Imagem: Mathues Rocha/Divulgação
Pode parecer loucura demais -- e é, das boas --, mas é apenas como funciona a imaginação dos cineastas, que se encontraram no curso de cinema da USP graças ao gosto em comum pelos filmes do gênero. De todos os tipos. “A gente gostava de todo tipo de trash. Assistíamos coisas do [diretor polonês Krzysztof] Kieslowski, mas amava ‘A Geladeira Assassina”, conta Rojas ao UOL.

Esse reconhecimento fez os amigos estrearem juntos no cinema há mais de uma década com o suspense “Trabalhar Cansa”. Após se dedicarem a projetos individuais, eles agora reimaginam São Paulo em tom de fábula.

"Nosso olhar foi contaminado pelo fato de a gente ter crescido assistindo horror ao mesmo tempo em que ‘Trapalhões’ e os desenhos da Disney”, explica Dutra. “E se você ver ‘Bambi’, ‘Mary Poppins’ ou ‘Branca de Neve’, para transformá-los em terror não precisa mudar muito. De certa forma, a gente queria esse aspecto lúdico no filme”.

Esse conto de fadas moderno é sobre duas mulheres. Solitária enfermeira vinda da periferia, Clara (Isabél Zuaa) é contratada pela misteriosa e rica Ana (Marjorie Estiano) como babá do filho que ela espera. Não demora muito para perceber que algo não vai bem com o bebê, muito menos com a mãe. E mais não se pode dizer. A surpresa faz parte da experiência de um horror carregado em tintas sociais. No subtexto, há questões sobre sexualidade e divisões de classes.

Trailer de "As Boas Maneiras"

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“É uma característica muito presente no cinema de horror. Os filmes do [George] Romero tem a ver com os momentos em que eles foram feitos, falam de questões sociais e são filmes profundamente políticos”, observa Rojas.

A portuguesa Isabél Zuaa tinha acabado de filmar o drama de época “Joaquim” quando recebeu o roteiro. Ela ri ao contar que sua reação ao ler a história foi um sonoro “Oi?” “Eu tinha feito coisas dramáticas, viscerais, dentro das convenções reais. O Marco e a Ju me apresentaram esse universo que eles adoram do suspense e que mistura muitas convenções. Era uma possibilidade de brincar com a realidade”, explica.

Chamado de “ambicioso” pela imprensa internacional, “As Boas Maneiras” saiu do Festival de Locarno, no ano passado, com o prêmio especial do Júri. No Festival do Rio, venceu os prêmios de melhor filme, atriz coadjuvante para Marjorie Estiano e fotografia, além do prêmio Felix, dedicado a produções com temática LGBTQ.

Cena de "As Boas Maneiras" - Divulgação - Divulgação
Cena de "As Boas Maneiras"
Imagem: Divulgação

Bebê lobisomem

Acostumados com filmes de orçamento ínfimo para os padrões do gênero, os diretores conquistaram uma verba maior graças à bem-vinda coprodução com a França. É de lá que vieram duas empresas de efeitos especiais para ajudar a construir o parto sangrento da criatura recém-nascida.

“A gente aprendeu muito com os processos dessas empresas. Tivemos um bebê com face automatizada, que abria e fechava os olhos e a boca. A Isabél contracenou com ele e foi apaixonante. Uma experiência bem forte”, conta Dutra. Para o lobisomem já crescido, outra empresa entrou na produção para efeitos em CGI.

Até o matte painting, técnica muito usada pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock para representar cenários, foi usada para se chegar à versão fantástica da capital paulista.

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“É uma técnica clássica tanto para criar paisagens quanto para fazer extensão de cenários. Usamos essa técnica de um jeito antigo, porque gostamos muito da sensação de artificialidade", explica Rojas.

Com coprodução da Globo Filmes, os diretores querem chegar a um público além dos festivais, onde o terror brasileiro ter circulado com mais frequência. Só neste ano, há pelo menos três estreias previstas para o gênero por aqui (ver abaixo).

“A gente pensa muito na identificação com o público, mas à nossa maneira, sem usar uma fórmula. Até nos grandes estúdios isso tem sido desconstruído, o próprio público quer ver coisas diferentes, não só histórias de redenção ou do herói”, explica a cineasta.

O filme estreia em 30 salas em todo o Brasil e ganha uma programação especial no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, sendo exibido de quinta a domingo (10) ao lado de “Trabalhar Cansa” e “A Companhia dos Lobos”, de Neil Jordan, uma das inspirações da dupla. O programa especial chega à sede carioca do Centro Cultural no final de junho. Veja a programação.

Terror brasileiro

“Nó do Diabo”, de Ramon Porto Mota, Ian Abé, Gabriel Martins e Jhésus Tribuzi
Pré-estreia em 14 de junho na rede Cinemark

“Animal Cordial”, de Gabriela Amaral Almeida
Estreia prevista para 19 de julho

“A Mata Negra”, de Rodrigo Aragão
Sem previsão