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Quem é o brasileiro que faz os filmes de terror mais cult do país

O diretor Rodrigo Aragão com uma das suas criaturas - Reprodução
O diretor Rodrigo Aragão com uma das suas criaturas Imagem: Reprodução

Rodolfo Vicentini

Do UOL, em São Paulo

18/05/2018 04h00

Em algum momento na vida você já teve medo de um "causo" brasileiro. Pode ser do saci, do lobisomem ou até da famigerada loira do banheiro. E é justamente neste regionalismo tão próximo e ao mesmo tempo tão esquecido pelo cinema nacional que o diretor Rodrigo Aragão quer entreter o espectador. 

"Eu nunca vi no cinema um herói brasileiro que não seja uma dublagem lutando contra monstros", define o capixaba de 41 anos em entrevista ao UOL, lembrando como se ainda fosse uma criança da experiência que sentiu ao ver "Aliens, O Resgate" (1986) no cinema. "De repente a Ripley [papel de Sigourney Weaver] aparece com uma empilhadeira e grita, "Tira a mão dela, sua vaca!', e o cinema foi ao delírio". 

Ali eu aprendi duas coisas na minha vida: que podia aplaudir o filme no meio e que é muito legal ver um herói dando porrada em um monstro de borracha.

Nascido no interior do Espírito Santo, na cidade de Guarapari, Rodrigo cresceu entre lendas e histórias contadas por pescadores. Ao mesmo tempo, começou a escrever os primeiros roteiros, ainda aos 12 anos, transformando o folclore brasileiro em um aliado para as suas produções.

Pôster do filme "Mangue Negro" - Reprodução - Reprodução
Pôster do filme "Mangue Negro"
Imagem: Reprodução

"A cultura brasileira, o imaginário popular brasileiro, é muito rico em criaturas mágicas e fantásticas. Mas esse imaginário foi pouco escrito, ele é muito pela forma oral. Com certeza, se a gente viesse usando esse tipo de material há mais tempo, já teríamos feitos clássicos mundiais no cinema fantástico", analisa.

Para Rodrigo, os brasileiros ainda não estão acostumados com filmes de terror nacionais. "O público brasileiro é apaixonado por terror e bilheterias como de 'Annabelle' e 'It: A Coisa' provam isso, mas nunca tivemos uma grande bilheteria de terror nacional. Está faltando emplacar um sucesso para mostrar ao público que dá para fazer um bom filme brasileiro de terror".

A gente precisa fazer terror sem vergonha. Eu não tenho vergonha de assustar a plateia, de usar todos os clichês que eu amo. A gente tem que perder a vergonha do gênero.

Zumbis brasileiros

Acumulando conhecimento na área dos efeitos especiais, foi em 2008 que Rodrigo se arriscou como cineasta ao introduzir um conto assustador de zumbis... no mangue. Com um orçamento de R$ 65 mil e muito sangue falso, "Mangue Negro" guarda histórias mais fantásticas do que o próprio enredo.

"O trash não é estilo, é falta de grana mesmo", brinca o cineasta. "Às vezes, filmávamos 20 horas por dia. Tem cenas do filme em que um casal está conversando. O que fala segura um holofote. Quando o outro vai falar, o seu parceiro passa o holofote e eles ainda levavam choque o tempo todo. Esse sofrimento não é estilo não, é porque a gente está se fodendo mesmo".

Na última década, o cineasta passeou pelo imaginário popular tupiniquim. Em "A Noite dos Chupacabras" (2011), uniu monstros com uma rixa familiar ao melhor estilo bang  bang americano. Na sequência, "Mar Negro" (2013) trouxe de volta os zumbis, só que desta vez eles aparecem gigantescos -- tem até uma baleia morta-viva! E a antologia "Fábulas Negras" (2015), com participação especial de ninguém menos que José Mojica Martins, o Zé do Caixão, reúne contos apresentados por crianças em uma tarde de brincadeira.

Cena do filme "A Mata Negra", dirigido por Rodrigo Aragão - Divulgação - Divulgação
Cena do filme "A Mata Negra", dirigido por Rodrigo Aragão
Imagem: Divulgação

Influências e uma piscina de sangue falso

Rodrigo define seu estilo como um cinema oitentista que trabalha com as emoções do público: tem a hora para chorar, para dar risada, para ficar com nojo e, claro, ficar com muito medo. Independente do momento, o uso do sangue falso em excesso -- e haja excesso nisso -- vem a calhar no gênero cinematográfico. "Meu recorde de sangue falso foi em 'Mar Negro', 1500 litros!".

Mais sóbrio no quesito gore, "A Mata Negra" (2018) é o novo xodó de Rodrigo e fez sua estreia no Fantaspoa 2018 nesta semana, além de passar 10 minutos no prestigiado Festival de Cannes -- a expectativa é que o projeto chegue aos cinemas no ano que vem. O enredo apresenta uma menina que tenta ajudar um homem misterioso à beira da morte. Com uma quantia de dinheiro em mãos e um livro demoníaco, perigos a cercam e muitos escondem sua verdadeira intenção.

Os roteiros de Rodrigo acertam nos momentos cômicos e coloca nas entrelinhas uma ironia aqui e acolá, principalmente com a religião. "Acho que ultimamente o Brasil tem passado por um fanatismo religioso muito perigoso. É interessante eu, como cineasta, falar um pouco disso mas sem perder a principal motivação, que é divertir a plateia", comenta o diretor, que acabou virando uma espécie de Zé do Caixão dos millennials.

Os diretores Jose Mojica Martins e Rodrigo Aragão - Reprodução - Reprodução
Os diretores Jose Mojica Martins e Rodrigo Aragão
Imagem: Reprodução

Nos passos de Zé do Caixão? 

Não é apenas ao apontar hipocrisias dentro da religião que Rodrigo se aproxima do mestre José Mojica. O próprio Zé do Caixão afirmou durante as gravações de "Fábulas Negras" que vê no colega de profissão alguém para carregar o seu legado dentro do cinema de gênero do Brasil.

"É a maior honra da minha vida me colocarem como sucessor do Mojica, mas ao mesmo tempo sei que ele nunca será substituído", afirma o cineasta. "A gente se identifica por ser apaixonado pelo terror e principalmente pela paixão no set de filmagem".

Rodrigo lembra com carinho dos momentos em que passou ao lado do ídolo e principal nome do terror brasileiro. "Juro para você que eu vi esse homem rejuvenescer 10 anos entrando em um set. Depois de cinco dias de filmagem ele já estava 10 anos mais jovens. E ele gostou muito de trabalhar aqui, porque o 'Fábulas' é um filme pequeno, e de certa forma ele se identificou com o começo da carreira dele, parecia muito com os da década de 60. A energia era a mesma".