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Atores de Pantera Negra se tornaram os heróis que não tinham na infância

Crianças fazem cosplay de personagens do filme "Pantera Negra" durante pré-estreia da aventura da Marvel em Nairóbi, no Quênia - Yasuyoshi Chiba/AFP Photo
Crianças fazem cosplay de personagens do filme "Pantera Negra" durante pré-estreia da aventura da Marvel em Nairóbi, no Quênia
Imagem: Yasuyoshi Chiba/AFP Photo

Natalia Engler

Do UOL, em Los Angeles (EUA)*

24/02/2018 04h00

Desde que “Pantera Negra” chegou aos cinemas, na semana passada, uma imagem tem se repetido em várias partes do mundo: crianças vestidas como os personagens do filme, e mesmo adultos fazendo cosplay ou usando trajes africanos para assistir ao filme.

A nova aventura da Marvel se passa no país africano fictício de Wakanda --uma nação altamente desenvolvida, que esconde seus avanços do mundo para não ser vítima do mesmo tipo de exploração que assolou o resto da África--, e tem dado ao público atual uma oportunidade que o próprio diretor Ryan Coogler e seu elenco não tiveram quando era criança: se enxergar e se identificar com os heróis e heroínas de uma grande produção do cinema.

“Quadrinhos eram muito populares quando eu era criança, nos anos 1990. A cultura pop estava em todo canto”, conta o cineasta de 31 anos, nascido em Oakland, região periférica de São Francisco (Califórnia). “Mas você não via muitos personagens negros. Se tivesse um, era muito. E quando tinha, ele nunca era o melhor, o mais forte”.

Ele ainda lembra a primeira vez em que foi apresentado ao Pantera Negra, quando tinha entre 11 e 12 anos, pelo vendedor de uma loja de quadrinhos local. “Fui até o cara da loja e perguntei se ele tinha personagens negros. Ele então me mostrou o Pantera Negra e me contou tudo sobre ele. Foi a primeira vez em que eu ouvi falar ou li uma história com um personagem que parecia comigo”.

Nakia (Lupita Nyong'o), T'Challa (Chadwick Boseman) e Okoye (Danai Gurira) em "Pantera Negra" - Divulgação - Divulgação
Nakia (Lupita Nyong'o), T'Challa (Chadwick Boseman) e Okoye (Danai Gurira) em "Pantera Negra"
Imagem: Divulgação

“Eu gostava dele basicamente porque era negro, era simples assim”, explica o cineasta. “Mas meu gosto por ele cresceu mais recentemente, depois que eu cresci e comecei a entender melhor a minha própria identidade”, conta.

Michael B. Jordan, 31, que interpreta o vilão do filme, o misterioso Erik Killmonger, cresceu em New Jersey, mas também teve uma experiência parecida com a de Coogler como fã de quadrinhos. “Não havia muitos personagens negros com as quais eu pudesse me identificar. Pantera Negra era definitivamente um deles, o mais óbvio. Mas eu só podia ter um? Então eu sempre gravitava em direção ao Wolverine, ao Magneto e a todos os personagens legais”, relembra o ator, em entrevista ao UOL.

Um mundo diverso

O rol de “personagens legais” introduzidos por “Pantera Negra” também traz uma diversidade bastante rara na cultura pop, mostrando que pessoas negras podem ser muitas coisas diferentes (exatamente como os brancos), o que talvez explique parte do sucesso do filme em todos os grupos e faixas etárias.

Temos o protagonista mais sério e contido, que precisa lidar com as responsabilidades de ser herói e governante ao mesmo tempo; sua irmã caçula, Shuri (Letitia Wright), uma jovem genial e com um humor cativante; a feroz mas também bem-humorada guerreira Okoye (Danai Gurira); a espiã estrategista, mas também humanista, Nakia (Lupita Nyong’o); o brutamonte doce M’Baku (Winston Duke); a sábia rainha-mãe Ramonda (Angela Basset); e até o vilão interpretado por Jordan, Killmonger, talvez o melhor da Marvel até hoje, com motivações que grande parte dos espectadores vai conseguir compreender.

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“Quando eu era criança, tinha algumas séries de TV e outras coisas que me ajudaram a me identificar, como 'Um Maluco no Pedaço' e 'Todo Mundo Odeia o Chris'”, relembra Wright. “Só depois, na adolescência, percebi que faltavam diferentes tipos de meninas em que eu pudesse me ver. Eram estereótipos, de se interessar por garotos, sair, beber... Nem todo mundo faz isso. Adoro o fato de estar nesse filme mostrando uma adolescente que faz algo diferente e positivo”, comemora.

“Espero que ajude a criar uma nova geração de pessoas querendo trabalhar com tecnologia. Não apenas meninas, mas meninos também”, continua a atriz de 24 anos. “Espero que Shuri faça com que as crianças que são super inteligentes e espertas, que sofrem bullying na escola por isso, digam: 'Não, eu sou legal, eu tenho algo a oferecer ao mundo. Se ela está fazendo na maior tela do mundo, eu posso fazer também’”.

“É uma honra”, concorda Jordan, sobre se tornar essa espécie de modelo para as crianças. “Você pensa nessas coisas quando faz filmes como esse. Vai ter crianças no Halloween usando pequenas fantasias de Erik Killmonger. Isso é muito legal. Então é uma honra ser parte da história e poder inspirar a próxima geração. É muita responsabilidade, mas é algo que estou feliz de ter”, completa.

Para o protagonista Chadwick Boseman, “Pantera Negra” pode ter um significado ainda mais profundo do que servir de modelo para as crianças. “Acho que a coisa mais importante é que as mentes das pessoas sejam libertadas de restrições. Pessoas que dizem: 'Ah, por que esse super-herói não é branco?', 'Por que ele fala desse jeito?', 'Por que ele está na África?', qualquer um que tenha essas restrições em suas mentes --e você pode ser negro e ter essas restrições. Acho que é mais libertador do que qualquer coisa”, acredita.

Se os números da bilheteria do longa são um bom indicativo --e com tantos recordes nas bilheterias, é difícil, argumentar que não--, esta “libertação” já está acontecendo. Só falta agora os chefões de Hollywood entenderem que seus filmes (e suas folhas de pagamento) precisam refletir o mundo lá fora e dar oportunidade para todas as crianças se enxergarem nos heróis que ocupam as telonas.

* A jornalista viajou a convite do The Walt Disney Studios