Topo

Diversidade lucrativa: Sucessos recentes abriram caminho para Pantera Negra

Lupita Nyong"O, Chadwick Boseman e Letitia Wright em cena de "Pantera Negra" - Divulgação/Marvel
Lupita Nyong'O, Chadwick Boseman e Letitia Wright em cena de "Pantera Negra"
Imagem: Divulgação/Marvel

Natalia Engler

Do UOL, em Los Angeles (EUA)*

23/02/2018 04h00

Já virou consenso que “Pantera Negra”, o mais recente filme de super-heróis da Marvel nos cinemas, é um filme único --tem um elenco principal todo formado por atores negros, diretor, produtor e roteiristas negros, e um tema (colonialismo) fora da curva de Hollywood, além de ter quebrado vários recordes na bilheteria. Mas isso tudo não quer dizer que o filme tenha surgido em um vácuo.

Em primeiro lugar, foi preciso que uma polêmica sacudisse Hollywood e fizesse as pessoas começaram a pensar mais seriamente sobre diversidade. A campanha "Oscars So White" (Oscar muito branco) teve esse papel, com protestos contra a ausência de indicações para atrizes e atores negros no Oscar de 2015 e 2016.

A Academia de Hollywood fez a lição de casa e começou uma iniciativa para trazer mais diversidades a seus membros, que ajudaram a colocar em evidência filmes mais inclusivos. Em 2017, já tivemos “Moonlight: Sob a Luz do Luar” como um dos favoritos, que levou para casa três estatuetas, incluindo a de melhor filme. Este ano, temos “Corra!” e “Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi” com quatro indicações cada, e Daniel Kaluuya (“Corra!”), Denzel Washington (“Roman J. Israel, Esq”) e Octavia Spencer (“A Forma da Água”) concorrendo nas categorias de atuação.

O fato é que toda a polêmica em torno do Oscar jogou luz sobre algo bastante óbvio: Hollywood ainda tem muito a melhorar quando o assunto é incluir caras diferentes em destaque em seus filmes, especialmente os de grande orçamento.

Talvez não por coincidência, um outro fenômeno se juntou a esse “buzz”. Depois de dois anos sem nenhum filme protagonizado por negros no top 20 das bilheterias norte-americanas, em 2015 começaram a aparecer produções que entraram nessa lista e que tinham outra característica em comum: custaram muito pouco e lucraram muito.

A diversidade é lucrativa

Filmes com protagonistas negros mostraram que podem ser sucesso mesmo com orçamentos modestos

Straight_Outta_Gráfico -  -

Estrelas_Grafico -  -

Corra_Grafico -  -

“As pessoas querem ver representatividade, e acho que há um mercado viável para isso”, acredita o diretor de "Pantera Negra", Ryan Coogler, que ainda se considera um novato em Hollywood. “Às vezes demora um pouco para que as empresas percebam, e acho que a indústria do cinema tem muito o que correr atrás em relação a outros setores. Mas eles estão percebendo que dá para fazer dinheiro com essas perspectivas e histórias diversas”, diz.

E os números de seu filme parecem não deixar muitas dúvidas: com um orçamento dentro do padrão para a Marvel, de cerca de US$ 200 milhões, “Pantera Negra” bateu todos os outros filmes da casa em seus primeiros quatro dias de exibição nos Estados Unidos: alcançou US$ 241,96 milhões, passando os US$ 226,3 milhões de “Vingadores” (que custou US$ 220 milhões).

O resultado deixou o longa atrás apenas de “Star Wars: O Despertar da Força” (US$ 288 milhões) e na posição de segunda melhor bilheteria para quatro dias de todos os tempos. Outros recordes: quinta maior estreia de todos os tempos nos EUA, maior bilheteria de estreia para um filme não dirigido por um cineasta branco e maior bilheteria doméstica de uma produção comandada por um diretor negro.

“Acho que é o momento perfeito”, afirma o ator Michael B. Jordan. “Muitas coisas tiveram que acontecer para esse filme ser possível. Chadwick [Boseman], Ryan, Lupita [Nyong’o], Danai [Gurira] e eu precisamos alcançar um certo nível de sucesso para fazer sentido para o estúdio contar essa história e se arriscar com algo que ainda não tinha sido feito”.

“Também houve vários outros filmes e séries. 'Corra!', 'Atlanta', 'Insecure', 'Master of None', várias coisas que estão rolando agora e as pessoas estão finalmente se sentindo confortáveis para abraçar essa cultura”, prossegue.

O mito do fanboy

Se colocado ao lado de outro sucesso que foge do padrão de herói masculino branco --“Mulher-Maravilha”, que fez US$ 821,8 milhões nas bilheterias do mundo todo em 2017--, “Pantera Negra” é o argumento que faltava para enterrar um mito que perdura em Hollywood há muitos anos: o de que filmes dependem de um grupo muito específico para fazer sucesso, meninos adolescentes (e brancos).

Cena do filme "Corra!" - Divulgação - Divulgação
"Corra!", protagonizado por Daniel Kaluuya, rendeu US$ 255 milhões, mais de 56 vezes o seu orçamento
Imagem: Divulgação

É uma crença que surgiu nos anos 1980, quando as franquias voltadas para esse público passaram a ser vistas como o “El Dorado” de Hollywood e se tornaram o produto preferencial de todos os estúdios, já que, inegavelmente, séries como “Star Wars” e “De Volta para o Futuro” estavam rendendo muito, muito dinheiro.

Não por acaso, as pessoas comandando os estúdios eram (e continuam sendo, majoritariamente) versões mais velhas desses fanboys, que basicamente fazem os filmes que gostariam de ver, protagonizados e feitos por pessoas parecidas com eles mesmos. E, ao menos até pouco tempo, nem passava pela cabeça desses executivos que este público também poderia se identificar com personagens que não fossem parecidos com eles próprios.

É a grana que manda

“Se estivéssemos sentados contando histórias nesse momento, com pessoas de raças diferentes, não importaria quem é o protagonista”, argumenta o ator Chadwick Boseman, que interpreta o personagem título de “Pantera Negra”. “É quando há muito dinheiro envolvido, quando começamos a computar bilheterias, que de repente surge essa ideia de que você não consegue mais seguir uma história a não ser que o personagem seja branco e homem. Isso é uma mentira, sempre foi mentira”, acredita.

E a mentira que Boseman aponta está cada vez mais difícil de se manter de pé em um mundo em que há anos os homens não são mais maioria entre o público de cinema e em que a cultura pop deixou de ser um clube do Bolinha (branco) --“Jogos Vorazes”, Beyoncé, “Mulher-Maravilha”, “Star Wars”, “Corra!” e o próprio “Pantera Negra” estão aí para provar. E isto está começando a pesar no bolso de quem comanda Hollywood.

“Como em qualquer outro negócio, se algo prova ser lucrativo, é nisso que vão investir”, explica o diretor Ryan Coogler. “Mas é difícil julgar se algo mudou em um período tão curto de tempo”, pondera.

Nakia (Lupita Nyong'o), T'Challa (Chadwick Boseman) e Okoye (Danai Gurira) em "Pantera Negra" - Divulgação - Divulgação
Com um elenco principal quase inteiramente negro, "Pantera Negra" está ajudando a destruir o mito do fanboy
Imagem: Divulgação

O ator Michael B. Jordan também é cuidadoso. “Está muito melhor do que há 10, 15, 20 anos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Acho que a indústria está começando a perceber que a diversidade é lucrativa e a abraçar especialmente a cultura afro-americana e personagens e vozes femininas. Tem a ver com a temperatura política e cultural atual no mundo, especialmente nos Estados Unidos. Mas, se não funcionar, podemos não ter outra chance”, acredita.

Já Boseman vai na contramão do pensamento que balizou as decisões em Hollywood nas últimas décadas e defende não só a ideia de que qualquer um consegue se identificar com personagens diferentes de si, mas também de que “Pantera Negra”, apesar de suas (importantes) peculiaridades, deveria ser visto basicamente como um filme de super-herói.

“Não vejo como um filme negro, vejo como um filme que quero que todo mundo assista”, argumenta o ator. “Porque se fosse só um filme negro, não alcançaria os números que a Marvel quer que alcance. Todo mundo deveria se interessar por esse filme pelas mesmas razões pelas quais se interessam por todos os outros filmes da Marvel. E, ainda assim, você ainda não tinha visto [um filme como esse] por causa do mundo em que vivemos”, conclui.

* A jornalista viajou a convite do The Walt Disney Studios.