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Tinhorão na Flip: "Na prática, não existe mais música brasileira"

Rodrigo Casarin

Do UOL, em Paraty (RJ)

04/07/2015 17h34

Gêneros vira-latas. Essa é uma boa definição para a maneira que José Ramos Tinhorão - um dos mais respeitados pesquisadores de música popular brasileira, autor de dezenas de livros sobre cultura e um dos convidados da Flip, onde, neste domingo (5) dividirá a mesa “Música, Doce Música” com Hermínio Bello de Carvalho -, encara quase tudo do que é feito em termos de música atualmente no Brasil. O rock nacional e o sertanejo universitário, por exemplo, entrariam no mesmo balaio: de subproduto fortemente influenciado pelo que vem dos Estados Unidos, sem nada de original. "O músico caipira usava chapéu de palha, o sertanejo, já era chapéu de caubói", compara, em entrevista exclusiva ao UOL, exemplificando essa influência. "O sertanejo universitário é a fase avançada do caipira envergonhado, alienado", continua.

Para mostrar a diferença sonora, o historiador sugere que se compare um disco de Tônico e Tinoco, artistas, que continuaram muito fiéis às suas origens ao longo de toda a carreira, defende, com algum sertanejo moderno. “Não há relação alguma. Até a tradição das duplas está sendo rompida. Cada vez mais há um distanciamento da matriz original”, constata, referindo-se ao que seria a genuína música caipira, no caso.

Mas não para no gênero em questão. "O Iê-iê-iê do Roberto Carlos já era a versão vira-lata do que estavam fazendo nos Estados Unidos". Na visão de Tinhorão, que diz ser “obrigado” a ouvir de tudo, a lambada foi o último gênero brasileiro  que ganhou certa popularidade. "Na prática, não existe mais música brasileira", constata.

Influência sobre os mais fracos

O estudioso baseia sua posição argumentando que, invariavelmente, os mais poderosos acabam exercendo influência sobre os mais fracos. “Não é a qualidade da música que faz com que ela entre em outros países, mas a força econômica do lugar onde ela é feita. O subdesenvolvido se contempla sempre na imagem e no som produzidos pela cultura do mais desenvolvido. O desenvolvimento da tecnologia amplia essa influência".

Para ele, as gerações atuais são de uma era na qual os brasileiros já estão habituados com as músicas norte-americanas sendo feitas no país de uma maneira abrasileirada. “A realidade leva o subdesenvolvido a abdicar de sua cultura ante o imperativo do que vem de fora".

Ao ser questionado se as culturas não avançavam conforme trocas de influências, é enfático: "a preocupação com as trocas é uma desculpa do alienado. A cultura do mais desenvolvido sempre predomina. Por que a influência então não é de duas mãos? Por que nos Estados Unidos não tem choro, samba, já que as influências seriam naturais? Aqui tem tudo deles".

"O Samba Agora Vai..."

Um exemplo bastante claro disso seria a incursão de Pixinguinha com o grupo "Os Oito Batutas" em meados da década de 1920 por Paris, quando a cidade era o grande centro artístico do mundo. Em uma época que o jazz despontava nos Estados Unidos, o brasileiro teve contato com a músicos que tocavam o gênero. Disso, em vez de uma troca, o que aconteceu foi que Pixinguinha voltou ao Brasil tocando saxofone, não mais flauta, enquanto os colegas norte-americanos nada absorveram da música nacional.

A história está no livro "O Samba Agora Vai... - A Farsa da Música Popular no Exterior", obra de 1969 que está ganhando uma versão revista e ampliada lançada pela Editora 34. No livro, Tinhorão demonstra como a música brasileira nunca conseguiu, de fato, conquistar um espaço no exterior, apesar de sucessos eventuais e bastante pontuais que aconteceram desde o século 18. "Ele é muito claro para mostrar que a influência vem sempre do mais forte para o mais fraco".

Anotações musicais de Mário de Andrade

Além de divulgar a obra, Tinhorão diz que aproveitará sua mesa na Flip para falar sobre “uma quase novidade” a respeito do homenageado da edição deste ano da festa: o livro “A Música Popular Brasileira na Vitrola de Mário de Andrade”, lançado em 2009 pela pesquisadora e professora Flávia Camargo Toni, que, na visão do especialista, passou praticamente despercebido pelo público. Nele, Flávia reúne anotações de Mário sobre as impressões que tinha ao ouvir discos de música popular, espécies de bilhetes para si mesmo que, com o passar dos anos, tornaram-se importantes registros com impressões de um grande especialista em música sobre o que estava sendo feito em seu tempo.

"O ouvido de Mário era ótimo e nesses bilhetes ele anotava também o que havia por trás do som. Ele traduzia culturalmente o significado de cada disco, de cada música. Isso tem um valor inestimável. O interesse dele era pelo regional, pelo caipira de verdade, não esse falso caipira de hoje".