Bósnio fala sobre traumas de guerra na Flip: "Vi soldado matando um cavalo"
Nascido na Bósnia, Sasa Stanisic, autor de “Como o Soldado Conserta o Gramofone” e que está lançando “Antes da Festa” no Brasil, é uma típica vítima viva da guerra. Em um debate nesta quinta-feira (2), na Flip, relembrou de quando tinha 13 anos e viu os conflitos eclodirem no norte da então Iugoslávia em 1992. “A guerra no meu país começou longe, geograficamente, de onde eu morava. Nós achávamos inimaginável que isso chegaria até a gente. Fazíamos brincadeiras sobre essa guerra.”
Da brincadeira até a tragédia o tempo foi curto. “Dois meses depois, vimos os primeiros soldados chegando à nossa cidade. Depois, granadas caindo e a gente tendo que se esconder no porão todos os dias. Via seres humanos morrendo, vi um soldado matando um cavalo...”.
A experiência foi central para que Stanisic se tornasse escritor. “Não fosse pela guerra, provavelmente não teria as tantas perguntas que me fizeram escrever os meus livros, não estaria aqui hoje”, diz ele que também contou já ter sido chamado de mórbido por matar personagens logo na primeira página de seus romances.
Graças à guerra, Stanisic foi viver na Alemanha – para onde fugiu levando os dois livros que seu pai permitiu que levasse e outros três escondidos, como lembrou – e sua literatura é feita em alemão, uma forma de criar uma barreira entre ele e a língua que era usada quando presenciou a carnificina. “Até hoje não consigo escrever em bósnio”.
A guerra também esteve presente na juventude do argentino Diego Vecchio, ainda que de maneira bem menos intensa. Ele, que vive há 23 anos na França, ainda morava em Buenos Aires durante o conflito das Malvinas, em 1982. Lembra que não se deu conta da dimensão do que acontecia no momento. “Havia um discurso oficial tranquilizador, mas a realidade era diferente. Só depois percebi o que tinha acontecido quando era adolescente, Foi como uma experiência fantasmagórica com efeitos retardados.”
Micróbios
“A hipocondria é tão problemática quanto a guerra porque é a guerra do corpo humano contra micróbios ou contra órgãos que não vivem em harmônia. Não sei se sou hipocondríaco, mas, ao escrever esse livro, me tornei o 'escritor hipocondríaco'”, disse Vecchio em um segundo momento. Ele é autor do recém-lançado “Micróbios”, livro de contos com histórias fortemente marcadas pela presença de doenças diversas.
Em um tom bem humorado, afirmou: “Como bom hipocondríaco, nunca vou ao médico”. Em seguida Stanisic lhe perguntou se ele tinha alguma doença preferida, arrancando risos da plateia. “Antes de vir para cá, para os trópicos, procurei meu médico para ver se tinha que tomar algo. Estava preocupado de vir a uma cidade com tanto calor, mas descobri que Paraty foi construída de modo que o vento não traga os micróbios para cá”, contornou o argentino.
Outros assuntos também estiveram presentes na conversa. Vecchio comparou Jorge Luis Borges a um buraco negro que pode “fagocitar” os escritores argentinos que o sucederam. Também defendeu que, para realizar seu trabalho, autores podem pegar as histórias “que a ciência joga no lixo e aproveitar para a literatura". "Podemos pegar teorias completamente erradas e transformarmos em ficção, em história”. Isso depois de Stanisic dizer que “o futuro da literatura está sempre nos três tempos”, argumentando sobre a importância do escritor saber lidar com o passado, o presente e o futuro na composição de uma obra para entregar algo relevante ao leitor.
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