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Em seu último poema, Manoel de Barros lembra amigos de infância no Pantanal

Do UOL, em São Paulo

13/11/2014 16h53

Em novembro de 2013, a editora LeYa publicou uma edição do livro "Poesia Completa", de Manoel de Barros, com o último poema de autoria do escritor, morto na manhã desta quinta-feira (13), aos 97 anos, em Campo Grande (MS).

poesia - Divulgação - Divulgação
Capa da última edição de "Poesia Completa", de Manoel de Barros
Imagem: Divulgação

No poema, cujo título é "A Turma", Barros volta à sua infância, relembrando os amigos Sebastião e Bernardo, em meio à natureza do Pantanal, onde cresceu.

Bernardo é um personagem recorrente na obra do escritor, citado nos livros "Cantigas por um Passarinho à Toa" (2003), "Menino do Mato" (2010) e "Escritos em Verbal de Ave" (2011).

O personagem é baseado em um Bernardo real, um rapaz que cuidava da tia de Barros, quando o poeta era criança, e a quem o escritor passou a considerar como irmão, mantendo contato com ele até sua morte, em 2003.  

Leia abaixo o poema:

"A Turma"

A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens.
Bernardo conversava pedrinhas com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
infantis gerava mais poesia do que obedecer as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços
beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.