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Greenwald diz que Brasil tem "obrigação moral" de dar asilo a Snowden

Maurício Stycer

Do UOL, em Paraty (RJ)

02/08/2014 11h08Atualizada em 02/08/2014 11h52

Glenn Greenwald, jornalista norte-americano responsável por iniciar a divulgação, no jornal inglês "The Guardian", dos documentos fornecidos por Edward Snowden sobre os programas de vigilância global dos Estados Unidos, participou de debate na Festa Literária Internacional de Paraty neste sábado (2) para falar do trabalho que tem colocado o país mais poderoso do mundo em uma situação nada confortável.

Entre as opiniões fortes do jornalista, sobrou até para o governo brasileiro, que Greenwald acredita ter "obrigação moral" de dar asilo a Snowden, o analista de sistemas, ex-funcionário da CIA e ex-consultor da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA), que entregou a jornalistas documentos mostrando como o governo norte-americano espionou até países aliados.

"Acho que a questão do asilo no Brasil é muito importante, porque todo país que foi beneficiado pelo sacrifício de Snowden tem a obrigação moral de compensá-lo por sua coragem. E o Brasil foi um dos maiores beneficiados, não só por saber da espionagem na Petrobrás e outros órgãos, mas pela quantidade de informações que os EUA recolhem do sistema de telecomunicações brasileiro, que o governo brasileiro agora tem condições de tentar prevenir", afirmou.

Segundo Greenwald, Snowden está "muito bem" em Moscou, tem liberdade para circular pela cidade e participar do debate que ajudou a iniciar, e o governo russo tem demonstrado a intenção de continuar concedendo asilo a ele, o que é simbolicamente importante para o surgimento de novos informantes - o que deixa o governo americano muito apreensivo.

"O governo americano está com muito medo, porque, da forma como seus dados são guardados eletronicamente, não há como prevenir vazamentos ou informantes. Então, o fato de Snowden ser um indivíduo livre, que pode participar dos debates, em vez de ser jogado em uma prisão e ser tratado como um criminoso, pode incentivar novos informantes", acredita.

Sistema corrupto

Greenwald também debateu com o cineasta Charles Fergunson --conhecido pelo documentário "Trabalho Interno" (2010), que ganhou um Oscar ao expor as raízes da crise financeira de 2008. O cineasta lamentou que os crimes financeiros cometidos não geraram nenhum tipo de punição. "Houve fraude criminal maciça. E houve zero processos. Obama tem insistido num mesmo discurso, dizendo que 'muitas coisas ruins aconteceram, mas infelizmente não houve crime'. Ora, Obama estudou direito em Chicago. Ele sabe que está mentindo", disse Ferguson, arranco palmas da plateia.

Para Greenwald, a percepção dessa corrupção do sistema é o que incentiva alguém como Snowden a tomar uma decisão tão radical. "Por que alguém como Edward Snowden --um jovem de 29 anos que tinha uma bela carreira, ganhava muito dinheiro, tem uma namorada que o ama-- faria uma coisa tão radical como roubar documentos secretos e o entregar a um jornalista? Ele analisou esse mesmo quadro e chegou à conclusão de que esse sistema está corrompido e era preciso agir", afirma o jornalista.

Para ele, o fato de Snowden ter procurado jornalistas que atuam fora dos EUA e não o "New York Times" é reflexo do fato de que nos EUA a grande mídia se tornou parte daquele sistema corrompido e não tem interesse em deter esses atos.

O jornalista hoje vive no Rio de Janeiro com seu companheiro, o brasileiro David Miranda, que já sofreu represália por parte do governo britânico, ao ser detido em um aeroporto por nove horas e mantido incomunicável --ato respaldado por uma lei antiterrorismo do país.

"A detenção do meu parceiro foi um dos piores dias da minha vida", contou Greenwald. "O fato de pegarem a pessoa que me é mais cara e o prenderem por horas em uma sala usando o terrorismo como desculpa, em vez de ter o jornalista como alvo, e o fato de que os EUA sabiam com antecedência que as autoridades britânicas fariam isso, é demonstrativo da maneira como eles agem, com intimidação", afirmou.

Terrorismo

Greenwald rejeita a ideia de que, com seu trabalho, possa estar ajudando o terrorismo. Greenwald: "Se você olhar o que o governo americano e seus aliados da Otan disseram nas últimas décadas para justificar tudo que fazem... É sempre o 'medo do terrorismo'. O fascinante com esse conceito é que é uma palavra que quase não tem sentido", disse, citando a situação atual no Oriente Médio.

"Se você olhar no último mês, o que acontece em Gaza. De um lado, ataques israelenses mataram 900 palestinos civis, inocentes. Pelo menos 80% dos mortos pelos israelenses são completamente inocentes. Por outro lado, os palestinos que estão lutando contra Israel mataram poucos civis. Quer dizer, na visão dos EUA, o lado que está matando os solddos é chamado de terrorista e o que está matando civis é chamado de democracia", afirmou, recebendo muitos aplausos. "Essa questão não faz sentido para mim. É um slogan usado para espalhar medo, não é um conceito objetivo".

Greenwald observou que Snowden foi "muito meticuloso" na seleção dos documentos que poderiam se tornar públicos, "insistindo para não divulgarmos os que pudessem colocar vidas inocentes em perigo". Segundo o jornalista, o seu trabalho foi, inclusive, criticado por gente ligada ao Wikileaks, que defende a divulgação de mais documentos. "Penso mais nessa crítica do que na acusação de que ajudo o terrorismo", disse Greenwald. 

O jornalista, por fim, questionou a acusação de que é é "ativista" e não "jornalista". "O jornalismo era uma ferramenta para limitar o poder dos poderosos. Esse profissional que não tem opinião é um mito total. Não existe isso. A pergunta pra mim é se você é um jornalista honesto, que diz as suas verdades, ou um que finge não ter opinião e engana o povo para quem você está escrevendo", respondeu Greenwald, arrancando mais aplausos do público.