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Duvivier critica humoristas que "confundem liberdade com falta de educação"

Maurício Stycer

Do UOL, em Paraty (RJ)

31/07/2014 13h29

O ator, roteirista e escritor Gregório Duviver, do grupo de humor Porta dos Fundos, arrancou muitos risos da plateia durante a sua participação na mesa da Flip 2014 (Festa Literária Internacional de Paraty) em debate sobre poesia e prosa, no início da tarde desta quinta-feira (31).  Mas ele também fez críticas a comediantes que considera politicamente “irresponsáveis”, sem citar nomes. “Há humoristas que confundem liberdade com falta de educação”, afirmou.

Além do humorista, participaram da mesa a escritora e jornalista Eliane Brum e o poeta Charles Peixoto. Duviver fez sua fala inicial logo depois da de Brum, que descreveu episódios de reportagens que ela fez, nos quais a poesia a ajudou a “lidar com o brutal”. Citou, por exemplo, uma ocasião em que acompanhou a organização Médicos Sem Fronteiras em uma aldeia na Bolívia, onde havia uma epidemia de doença de Chagas.

Quando a palavra foi passada para Duvivier, ele não perdeu tempo e fez piada com a colega. “A Eliane está salvando o mundo, salvando a população ribeirinha. E o Gregório tem um canal de humor. Estou com vergonha”, disse, arrancando gargalhadas do público e desculpando-se logo em seguida com a escritora.

Dizendo-se “fanático por Millôr Fernandes”, Duvivier fez então uma análise da obra do escritor morto em 2012 –que é o homenageado nesta edição da feira—e de certos tipos de humor feitos hoje em dia.

“Por que o humor perde a graça? Quando você vê humoristas antigos, às vezes, é triste você reconhecer ali um cadáver, a graça. Tinha esse medo com o Millôr. Será que um dia ele ia perder a graça? E continua engraçado. Por quê? Acho que tem muito a ver com a poesia, com a humanidade. As pessoas confundem a liberdade com a falta de educação. Essa é a diferença dos bons palhaços”, disse Duvivier, citando Charles Chaplin, Buster Keaton e, novamente, Millôr, que “antes do humor, fazem drama, e o humor vem como consequência desse drama”.

O humorista ainda ressaltou a importância da humanidade no trabalho de Millôr, que, segundo ele, tinha uma “visão profunda da condição humana” e “um olhar puro e ingênuo”, apesar de seu humor ser mordaz e cético. “Apesar desse cinismo, tem um lado muito humano, o olhar de uma criança. É o olhar do palhaço, do poeta, é o olhar que dura. Humor trabalha muito com reciclagem, repetição. Não tem mal nisso, é uma tradição. Não é esse o humor do Millôr. Está muito longe disso, da perpetuação de preconceitos. Está ligado à revelação de verdades escondidas."

Sobre o Porta dos Fundos, Duvivier disse por que evita fazer piada com as minorias. “Tento colocar afeto no Porta dos Fundos. Pode não parecer. Você vai ver que não tem nenhuma crítica nominal no Porta dos Fundos. A gente evita fazê-lo. É quando o humor deixa de ser humor e vira agressão. A gente também evita rir das minorias.” Duvivier atribui isso a uma “dimensão afetiva do humor”, quando as pessoas riem de algo que a sociedade “tem o costume de rir”. “O humor volta e meia cai nesse lugar perigosíssimo do ódio, em que não há consideração com a humanidade.”

O humorista ainda fez uma ressalva de que nem sempre consegue manter esse humor “humano” e citou uma ocasião em que escreveu um texto José Sarney do qual se arrepende. “Embora ele mereça, ninguém merece.”