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"Sargento Getúlio" será atual enquanto houver falsa democracia, diz diretor

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

18/07/2014 13h08

João Ubaldo Ribeiro adorava a adaptação de seu livro "Sargento Getúlio" para o cinema, segundo o diretor do filme, Hermano Penna. "Ele nunca se negou a participar desse filme. Sempre estivemos juntos. Quando ele assumiu a cadeira na ABL (Academia Brasileira de Letras), eu também estava lá", disse o cineasta, por telefone, ao UOL. Ubaldo, autor de obras como "A Casa dos Budas Ditosos" e "O Sorriso do Lagarto", morreu na madrugada desta sexta-feira (18), aos 73 anos, vítima de embolia pulmonar, em sua casa no Rio.

O ator Lima Duarte em cena do filme "Sargento Getúlio", de 1971, uma adaptação da obra de João Ubaldo Ribeiro. O filme, em 1983, ganhou prêmio de melhor filme no Festival de Gramado - Divulgação - Divulgação
O ator Lima Duarte em cena do filme "Sargento Getúlio", de 1971, uma adaptação da obra de João Ubaldo Ribeiro. O filme, em 1983, ganhou prêmio de melhor filme no Festival de Gramado
Imagem: Divulgação

No filme ambientado na década de 1940, Lima Duarte interpreta o sargento Getúlio, encarregado de levar um preso político do sul da Bahia até o Sergipe. No meio do caminho, no entanto, ele recebe ordens para soltar o prisioneiro, mas decide cumprir sua missão a qualquer custo, perdendo a sanidade mental no trajeto.

"A história foi uma inovação na literatura brasileira. Ela trata do poder sobre o mais humilde. Um simples homem sertanejo torna-se um representante do poder e é capaz das maiores atrocidades ao ser manipulado. Enquanto houver essa falsa democracia no Brasil, o livro estará no sangue, incomodando", disse Penna sobre o livro lançado em 1971.

Penna disse que, apesar do primor literário de "Sargento Getúlio", o livro "Viva o Povo Brasileiro" é a "bíblia do nosso país". "É um livro que fala da criação da alma brasileira. É um mergulho profundo no que somos, na grandeza e na miséria que somos. Tem momentos literários extraordinários. Vai iluminar esse país até o fim dos tempos".

O diretor esteve com Lima Duarte em Gramado, em 2013, para comemorar os 30 anos do longa "Sargento Getúlio", que venceu levou cinco prêmio do festival, incluindo de melhor filme, em 1983. Na ocasião, o diretor lembrou da luta para colocar os filmes no cinema. "Passou cinco anos nas prateleiras da Embrafilme, completamente abandonado. Foram cinco anos de luta pessoal para colocar o filme no cinema", contou. 

Verissimo: Uma obra-prima

Para Luis Fernando Verissimo, "O Sargento Getúlio" é a obra-prima de Ubaldo. "Talvez tenha sido a melhor coisa que ele escreveu. Essa e toda obra dele falam sobre o povo brasileiro, o que é a brasilidade, quais são as características do nosso povo".

Segundo livro de Ubaldo, "Sargento Getúlio" foi consagrado como um marco do moderno romance brasileiro, levando o escritor a comparações com Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. A obra, que aborda o banditismo no sertão e usa uma linguagem coloquial repleta de regionalismos, foi adaptado ao cinema e protagonizado por Lima Duarte, e lhe rendeu um Prêmio Jabuti de autor revelação.

Velório

O velório de João Ubaldo Ribeiro, no Salão dos Poetas Românticos na sede da ABL, no Rio (av. Presidente Wilson, 203, Castelo), é aberto ao público. O corpo dele será enterrado no sábado no mausoléu da ABL, no cemitério São João Batista, também no Rio. O horário ainda não foi definido --a família aguarda a chegada de Manuela, filha do escritor, que mora na Alemanha e está a caminho Brasil.

João Ubaldo, que também é pai do apresentador e ex-VJ da MTV Bento Ribeiro, passou mal em sua casa no Leblon, no Rio de Janeiro. Um funcionário do prédio onde o escritor morava há cerca de 20 anos disse à GloboNews que, por volta das 3h da manhã, a família pediu por ajuda médica, mas que não houve tempo de prestar socorro.

Trajetória de João Ubaldo

Sétimo ocupante da cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras desde 1994, como sucessor de Carlos Castello Branco, João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu em Itaparica, na Bahia, em 23 de janeiro de 1941. Formado em direito (1959-1962) pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), ele nunca chegou a advogar, mas construiu uma carreira que o consagrou como romancista, cronista, jornalista e tradutor.

Aos 21 anos, escreveu seu primeiro livro, "Setembro Não Tem Sentido", que ele desejava batizar como "A Semana da Pátria", contra a opinião do editor. Em 1999, João Ubaldo foi um dos escritores escolhidos para dar depoimento, ao jornal francês "Libération", sobre o Terceiro Milênio.

"Viva o Povo Brasileiro" foi o tema do exame de "agrégation", concurso para detentores de diploma de graduação na universidade francesa. Este romance (que virou tema de samba-enredo da Império da Tijuca em 1987) e "Sargento Getúlio" (adaptado ao cinema) constaram na maior parte das listas dos cem melhores romances brasileiros do século e ambos lhe renderam o Prêmio Jabuti.

No mesmo ano, ele lançou "A Casa dos Budas Ditosos", narrado por uma mulher de 68 anos que nunca se furtou a viver as infinitas possibilidades do sexo. Foi adaptado para o teatro por Domingos de Oliveira em 2004, em forma de monólogo e encenado por Fernanda Torres.

João Ubaldo trabalhou como professor de administração e filosofia, e como jornalista colaborou com diversas publicações, como "Frankfurter Rundschau" (Alemanha), "Diet Zeit" (Alemanha), "The Times Literary Supplement" (Inglaterra), "O Jornal" (Portugal), "Jornal de Letras" (Portugal), "Folha de S. Paulo", "O Globo", "O Estado de S. Paulo" a "A Tarde", entre outros. O escritor foi ganhador do Prêmio Camões em 2008, maior prêmio da língua portuguesa.

Entre 1990 e 1991, ele morou em Berlim, a convite do Instituto Alemão de Intercâmbio. Na volta, passou a morar no Rio de Janeiro. Era casado com Berenice de Carvalho Batella Ribeiro, com quem tinha dois filhos, Bento e Francisca. Do casamento anterior com Mônica Maria Roters, João Ubaldo teve duas filhas, Manuela e Emília.