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Cantora vai mudar repertório durante Virada para homenagear Vanzolini

Mariana Pasini

Do UOL, em São Paulo

29/04/2013 17h22

Enquanto aguardava a chegada do corpo do compositor Paulo Vanzolini, que morreu na noite de domingo (29) aos 89 anos em São Paulo, no cemitério da Consolação, a cantora Yara Marques revelou ao UOL que vai alterar todo o repertorio de sua apresentação na Virada Cultural. O show está marcado para dia 19 de maio na Praça Roosevelt, na capital paulista.

"Ia ser Adoniran [Barbosa], mas agora vai ser só Vanzolini. Já mudei tudo", contou a artista. A organização do evento havia divulgado mais cedo que o compositor seria celebrado, mas não havia confirmado os nomes que participariam da homenagem. Caso tivesse resistido, o compositor seria uma das atrações da Virada.

A cantora conheceu o compositor por intermédio de seu marido, Slioma Celter, que estudou com Vanzolini na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Vanzolini foi quem a incentivou a cantar, fazendo com que Yara migrasse da carreira como atriz para o mundo da música. "Ele gostava muito da minha voz", afirmou a artista, que conheceu o amigo no final da década de 1950.

Outro momento marcante da amizade entre Yara e Vanzolini foi quando o compositor a avisou sobre a morte de seu marido. "Era um letrista maravilhoso, um monstro, mas cantando era uma tristeza. Nenhum compositor canta bem", brincou Yara, que não sabia sobre o estado de saúde de Vanzolini nos últimos dias.

Yara disse que prefere cantar as músicas menos conhecidas de Vanzolini e se orgulha de ter presenciado o momento em que "Volta por Cima" foi composta, no Clube dos Artistas. "Vi escrita no guardanapo", disse a cantora, que aprecia muito "Amor de Trapo em Farrapo" e "O Vento".

Paulo Vanzolini não gostava de "Ronda"

Enterro

O corpo de Vanzolini chegou ao Cemitério da Consolação, em São Paulo, às 16h40, sendo levado para uma capela para a execução de orações antes de seguir para o local do sepultamento. Ao ser transportado para o local do enterro, o caixão trazia flores e era acompanhado por cerca de cem pessoas.

Biografia

Compositor e zoólogo, Paulo Vanzolini  morreu no Hospital Israelita Albert Einstein. A causa da morte do artista, autor do clássico "Ronda", não foi divulgada a pedido da família. Ele estava internado desde quinta-feira com quadro de pneumonia extensa, segundo os médicos Maurício Wajngarten e Miguel Cendoroglo Neto, que assinaram o último boletim médico pela manhã de domingo.

Autor de sambas consagrados, como "Volta por Cima", "Samba Erudito" e "Praça Clóvis", Vanzolini foi interpretado por grandes nomes da MPB, como Chico Buarque, Miúcha, Maria Bethânia, Paulinho da Viola e Inezita Barroso.

Sua última aparição pública foi no Teatro Oficina, em São Paulo, no mês de março, durante um evento beneficente para levantar fundos à Casa de Francisca. No mesmo mês, recebeu o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pelo conjunto da obra. O compositor subiu ao palco para receber o troféu em uma cadeira de rodas e foi aplaudido de pé pela plateia.

Vanzolini faria um show na sexta-feira e no sábado no clube Casa de Francisca, no Jardim Paulista, com acompanhamento de sua companheira, a cantora Ana Bernardo, e de amigos como o violonista Ítalo Perón e o pianista e cartunista Paulo Caruso.

Paulo Vanzolini deixa cinco filhos, entre eles o diretor e integrante da produtora Conspiração Filmes, Toni Vanzolini.

Vida dividida

Nascido em 1924 no bairro de Cambuci, em São Paulo, Paulo Vanzolini foi autor de canções clássicas, mas sua ocupação era como herpetólogo (zoólogo especializado em répteis e anfíbios). Era pesquisador do Instituto de Zoologia, e professor emérito da USP (Universidade de São Paulo).

Formado em medicina, Paulo chegou a ser diretor do Museu de Zoologia da USP e foi responsável por criar a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Com doutorado em Harvard, onde Paulo estudou e conviveu com lendas da biologia como o evolucionista Ernst Meyer, o compositor também teve seu nome em 15 espécies de répteis ou anfíbios que pesquisou e descreveu. Seu trabalho como cientista rendeu premiações, como reconhecimento, em 2008, da Fundação Guggenheim, em Nova York.

Sua história dupla, na música e na zoologia, rendeu o documentário "Um Homem de Moral" (2009), do cineasta Ricardo Dias. Chico Buarque gravou duas canções do primeiro disco com músicas de Vanzolini; o médico e escritor Dráusio Varella foi seu aluno na USP e cientistas do quilate de Theodosius Dobzhansky, Emest Mayr e Aziz Ab'Saber eram seus amigos. Foi parceiro de Eduardo Gudin, Elton Medeiros e Paulinho Nogueira, entre muitos outros.

O samba-canção "Ronda", composto por ele, foi gravado por Inezita Barroso em agosto de 1953, sete anos depois da criação. Ele e a mulher, a cantora Ana Bernardo, acompanhavam Inezita na gravação de seu primeiro disco no Rio, "Moda de Pinga". Ela precisou de uma música de última hora e o autor lhe ofereceu "Ronda", uma crônica de amor e morte nos bares e ruas de São Paulo.

A famosa canção, porém, não era sua favorita. "Eu tenho muita dívida com a cidade de São Paulo. É um absurdo como gostam de 'Ronda', mas gostam", afirmou em entrevista sobre as comemorações de seus 85 anos. Ele mesmo renegava ser um homem da música. "Sou completamente analfabeto em música".

"Samba é paciência", sempre repetia Vanzolini. Em conversa com o pesquisador Assis Ângelo, ele contou que levou 25 anos para terminar a letra de "Pedacinhos do Céu". Ele começou a compor seus sambas tipicamente paulistanos ainda no início dos anos 40. A obra é relativamente pequena --pelo menos a parte que o autor, perfeccionista, deixou vir à tona: é composta de aproximadamente 65 canções.

Uma de suas últimas canções, "Quando Eu For, Eu Vou Sem Pena", gravada por Chico Buarque em 1997, encerrou sua fase de compositor, na metade da década de 1980.

* com informações da Agência Estado