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A ficção científica, premonitória de grandes epidemias

Cena do filme "Contágio" - Reprodução
Cena do filme "Contágio" Imagem: Reprodução

De Paris

04/05/2020 12h07

A ficção científica escreveu dezenas de livros e roteiros sobre vírus letais, com mortes em cadeia e populações assustadas. São tramas que lembram a pandemia atual de coronavírus, e enfatizam a vulnerabilidade humana.

"Se a ficção científica tem uma utilidade, além do prazer da leitura, é tentar ver o que pode acontecer no futuro com base no presente e dizer: cuidado!", explica à AFP Jean-Pierre Andrevon, autor de "Le Monde Enfin", um clássico na França que descreve o mundo depois de uma pandemia.

"A epidemia faz parte das mil e uma catástrofes que nos esperam, ou de qualquer forma, que são possíveis", acrescenta.

Desde "O Último Homem", de Mary Shelley (criadora de Frankenstein), publicado em 1826, à atual série "Years and Years", com Emma Thompson, passando pelo filme "Contágio", de Steven Soderbergh, os vírus invadiram a ficção científica muito antes da covid-19 se espalhar pelo mundo.

Roland Lehoucq e Jean-Sébastien Steyer, especialistas na área e autores do livro "La Science Fait Son Cinéma", explicam por que "os vírus são temas tão bons para a ficção científica".

Seu modo de transmissão, através de fluidos vitais, "a panóplia de sua periculosidade, seu possível estado latente", sua rápida disseminação e suas consequências devastadoras "nos aterrorizam e nos lembram sem cessar que o homo sapiens é antes de tudo um homo vulnerabilis".

Cada autor imagina seu cenário: para alguns, os vírus levam a um mundo zumbi (como "Guerra Mundial Z", de Marc Forster), ao colapso do sistema econômico ("Planeta dos Macacos: A Origem", de Rupert Wyatt), ou o retorno de animais silvestres e vegetação, no livro de Andrevon.

"Normalmente, na ficção científica, a pandemia elimina a humanidade, mas não o resto do planeta, o que reflete uma ideia antiga: o ser humano é uma espécie como qualquer outra, que desaparecerá a qualquer momento", explica à AFP Natacha Vas-Deyres, professora de Letras na Universidade de Bordeaux-Montaigne, na França.

Acabaram os vírus?

O confinamento que acompanha a pandemia atual também é um tema abordado pela ficção científica — como no filme "O Poço", do espanhol Galder Gaztelu-Urrutia, sobre um confinamento angustiante em uma prisão em forma de torre.

Se hoje existe certa porosidade entre ficção e realidade é também porque a primeira "se alimenta muito" da segunda e os eventos que causam pandemias, como um viajante que adoece, "não precisam ser ampliados", explicam Lehoucq e Steyer.

A ficção científica também se baseia na ciência: em seu livro "Koors", o escritor Deon Meyer contou com os conselhos dos acadêmicos Wolfgang Preiser e Richard Tedder para explicar como um coronavírus pode matar 95% da população mundial.

Para escrever "Contágio", Scott Z. Burns explicou à revista Variety que trabalhou ao lado de Ian Lipkin, da Universidade de Columbia, e com o epidemiologista Larry Brilliant.

"Existe todo um conjunto de cenários produzidos pela ficção científica, que há muito nos alertam para as possíveis causas do desaparecimento da humanidade e de nossa civilização industrial", explica Vas-Deyres.

E se muitos confinados baixam hoje "Contágio" é para "enfrentar a morte de nossa sociedade, tentar entender, se projetar", acrescenta.

Para Andrevon, o fato de a realidade agora ter se apropriado de um tema de ficção científica exclui a possibilidade de escrever a respeito novamente.

Mas outras possíveis catástrofes permanecem: "Há um tempo um grito de alarme sobre a questão ecológica ecoa", diz o escritor. "Você só precisa olhar para a evolução da sociedade para imaginar o que pode acontecer em 20 ou 50 anos."