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Woodstock 2.0 seria improvável nos dias de hoje, após massacres nos EUA

Foto aérea do festival Woodstock, de 1969 - Divulgação
Foto aérea do festival Woodstock, de 1969 Imagem: Divulgação

Em Nova York

13/08/2019 16h46

Centenas de milhares de pessoas em comunhão pacífica para um fim de semana de música, amor livre e drogas expansoras da mente. Na era atual dos ataques a tiros em massa e atentados, a popular imagem de Woodstock pode parecer um pouco ingênua demais para os Estados Unidos modernos.

Grandes eventos no país agora não acontecem sem detectores de metais, cães farejadores para rastrear bombas, inspeções de bolsas - e a paranoia crescente de que alguém armado possa estar em meio à multidão.

Além disso, autoridades de segurança afirmam que são pequenas as chances de ocorrer um evento como o festival de Woodstock.

"Temos um ambiente muito, muito diferente do que era 50 anos atrás", disse Stuart Cameron, chefe de polícia do condado de Suffolk, em Long Island, Nova York.

Um evento similar ao Woodstock original "não é algo que permitiríamos acontecer", disse Cameron à AFP.

"Estamos preocupados com os riscos para a segurança pública", acrescentou.

Dados da época são conflitantes, mas acredita-se que pelo menos duas pessoas tenham morrido em 1969 em Woodstock, uma atropelada por um trator de limpeza e outra de overdose.

A segurança nos quatro dias do evento celebrado em uma fazenda no norte de Nova York foi curiosa se comparada aos padrões atuais.

Os organizadores infiltraram integrantes da The Hog Farm, hoje considerada a comunidade hippie mais antiga dos Estados Unidos.

O grupo servia comida e cuidava dos frequentadores que vivenciavam "bad trips" por uso de LSD em "barracas da loucura", enquanto membros da "Please Force", uma força de segurança não-ortodoxa, pediam educadamente aos participantes para que ficassem em paz.

Quando a comida começou a escassear, moradores benevolentes começaram a doar provisões.

Para marcar os 50 anos do festival de 1969, um de seus organizadores, Michael Lang, esperava fazer uma festa épica, com cerca de 80 atrações, de participantes originais, como o guitarrista Carlos Santana, ao rapper Jay-Z.

Mas ao contrário do clima aberto do final dos anos 1960, ele e sua equipe não conseguiram encontrar um fazendeiro disposto a ceder seu espaço.

O sonho do 'Woodstock 50' virou um pesadelo e acabou frustrado, pois os organizadores desta edição tiveram negada a permissão devido a questões como planos de saúde, abastecimento de água apropriado, segurança alimentar e pessoal de segurança.

"Todo mundo é muito consciente da importância da segurança hoje em dia. Muito mais com relação à saúde", disse Cameron.

"As pessoas supõem que se elas vão comprar comida em um evento, é segura para comer; e se se ferirem, haverá uma ambulância", acrescentou.

"Naquela época, não sei se isto era necessariamente pressuposto".

Sociedade em transformação

Para além das questões sanitárias, a terrível ascensão dos ataques a tiros maciços dos últimos anos, tanto em shows ao ar livre quanto em locais abrigados, diminuíram a probabilidade de ocorrer outra concentração maciça como a de Woodstock - e as chances de atrair um público disposto a participar de um evento tão indulgente como aquele foi.

No final de 1969, o concerto de Altmont, na Califórnia, terminou em tragédia, com quatro mortos - incluindo um assassinado por membros do grupo de motoqueiros Hells Angels, que havia sido contratado e encarregado de dar segurança ao evento.

Um festival comemorativo de Woodstock em 1999 foi marcado por registros de violência, furtos, incêndios e estupros.

Em Paris, a casa de shows Bataclan, foi cenário de um massacre em 2015, durante um ataque terrorista coordenado na capital francesa.

Em 2017, um homem armado atacou a tiros o público de um show em Las Vegas, matando dezenas de frequentadores.

No mesmo ano, um show da cantora pop Adriana Grande, em Manchester, terminou em tragédia, com dezenas de mortos e feridos, no que as autoridades disseram ter sido um ataque terrorista.

"Eu não sei se as pessoas gostariam de ir a um evento que não tivesse segurança adequada nestes dias", disse Cameron.

O circuito dos festivais de música floresceu nas últimas décadas - Coachella, Glastonbury e Lollapalooza são exemplos proeminentes -, mas são caros, regulados e cercados de portões de segurança, sensores e guardas.

O sargento aposentado da Polícia de Nova York Joseph Giacalone trabalhou por décadas projetando planos detalhados de segurança para eventos como a festa de Ano Novo na Times Square.

Para ele, com o passar dos anos, "toda a dinâmica mudou nas forças de segurança, e como você vai policiar este tipo de evento".

"A coisa mais séria costumava ser o tráfico de drogas e álcool, mas agora são pessoas portando armas de destruição em massa para matar todo mundo", disse.

"Não é que não houvesse ataques a tiros maciços antes, mas eram poucos e raros", disse Giacalone, citando o massacre na torre da Universidade do Texas, em Austin, em 1966, que se manteve como o evento mais letal do tipo registrado nos Estados Unidos por 18 anos.

"O tecido social mudou nos últimos 20 ou 30 anos", afirmou, acrescentando que a utopia sentida do festival de Woodstock simplesmente não poderia ocorrer novamente devido a estas transformações.

"Nunca será a mesma experiência para as pessoas que se lembram dos anos 60", resumiu Giacalone.