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Roberto Sadovski

O cinema não vai acabar (mas provavelmente jamais será o mesmo)

Cinema vazio durante pandemia do coronavírus - Reprodução
Cinema vazio durante pandemia do coronavírus Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/03/2020 19h13

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Não tivemos estreias no cinema essa semana. É a primeira vez que isso acontece desde... Bom, desde sempre. Efeitos da pandemia do coronavírus. As salas de cinema no Brasil e no mundo permanecem vazias, já que o isolamento social é a forma mais eficiente de conter o avanço do vírus. Como consequência, os distribuidores, grandes e pequenos, estão pisando no freio com seus lançamentos. Vários candidatos a blockbuster seguem sem nova data. Com mais gente em casa, o streaming cresce —assim como as assinaturas de sites pornô (!). Neste cenário, os cinemas sentiram o baque.

Conversando ontem com um produtor, ele levantou o temor que cerca de mil salas fechem as portas no Brasil quando essa crise passar. Hoje mesmo recebi uma carta aberta do setor audiovisual com uma série de pedidos em caráter de urgência para diversos órgãos estaduais e federais —medidas para impedir um total esfarelamento do setor. No resto do mundo, a crise se agrava.

O Festival de Cannes, agendado tradicionalmente para maio, acaba de ser empurrado para junho ou julho (algumas fontes apontam uma nova data em dezembro!). A lista de filmes e séries adiados só cresce, mas o sinal vermelho surge nos bastidores, já que estima-se 120 mil empregos perdidos só na indústria americana com a paralisação da produção. Estúdios apontam perdas de US$ 2 bilhões com os cinemas fechados. A preocupação é geral.

Engana-se, claro, que isso significa o "fim do cinema". Na verdade, os profetas do apocalipse cantam essa bola há décadas. Primeiro, o cinema ia acabar nos anos 1950 com a popularização da TV. O VHS 'prometeu' deixar a tela grande obsoleta nos anos 1980. A bola da vez agora é o streaming. A verdade é que uma revolução já estava a caminho com a explosão de plataformas como a Netflix e o Amazon Prime Video.

A pandemia acelerou essa mudança, especialmente com estúdios como Sony e Universal disponibilizando em streaming ou VOD filmes ou que acabaram de estrear (como "Bloodshot") ou que estavam com um pé nos cinemas (o case de "Trolls Turnê Mundial").

Quando a crise passar, será curioso observar se as pessoas reverão seus hábitos e passarão a exigir a comodidade de não sair de casa, mesmo para assistir a grandes lançamentos.

A resposta deve ser um equilíbrio. Os grandes estúdios não vão despejar produções de centenas de milhões de dólares, como "Viúva Negra" ou "Mulan", direto em streaming. Esse tipo de cinema-espetáculo continuará sendo apreciado em tela grande, a experiência coletiva não deve mudar. Por outro lado, produções que não "exigem" um grande aparato para ser degustadas podem inflar a produção das plataformas de streaming.

Comédias românticas viraram programa de sofá

Comédias românticas, que por décadas foram a espinha dorsal do cinemão, hoje encontraram mais conforto como programa de sofá. Talvez o "cinema de autor", as produções independentes que ocupam menos salas, também ganhem mais espaço e mais fôlego em casa —não imagino que "Joias Brutas", com Adam Sandler, tivesse no Brasil público maior caso seu lançamento seguisse o formato tradicional em circuito exibidor independente. A palavra de ordem, portanto, é "reinvenção".

Será curioso ver como fica o cenário do audiovisual quando a quarentena mundial terminar e a crise for eventualmente controlada... É, "quarentena mundial"! Ler essas palavras evoca imagens familiares para quem consome cultura pop. Futuros pós-apocalípticos, epidemias desestabilizadoras, uma nova ordem global. Países controlados por um sistema que obriga cidadãos a competirem em jogos mortais. Teocracias totalitárias em que mulheres férteis são escravizadas como reprodutoras. Will Smith e seu cachorro em uma Nova York desolada.

A ficção, claro, muitas vezes é mais dura que a realidade. Neste caso, porém, como as coisas voltarão a ser como era antes? E elas voltarão a ser como antes? Como será o novo status quo? A China, que aos poucos controla o coronavírus em suas fronteiras, já achou solução, e ela é mágica:

Os cinemas chineses reabrem no fim de março com uma cópia restaurada em 4K e 3D de 'Harry Potter e a Pedra Filosofal', além de reprises de grandes sucessos do cinema local. Com 100%o da renda reservada para os exibidores se recuperarem das perdas acumuladas em dois meses de portas fechadas.