Menos livros e mais armas: a moda é ser brucutu no país do 'e daí?'
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"Reforma de Guedes abre caminho para a volta da tributação de livros" - fim da isenção joga taxa de 12% nas costas das editoras. "Sem consenso, governo ensaia retomada das pautas de costumes" - entre as prioridades, facilitar o acesso a armas. Duas semanas separam uma notícia da outra. Todos sabiam: Bolsonaro e seus pares sempre preferiram a bala ao conhecimento. Agora a predileção começa a ganhar contornos práticos. Enquanto o ministro da Economia defende onerar Clarice Lispector, o governo trabalha para que todo machão possa andar numa boa com revólver na cintura.
O Brasil virou o país do "e daí?". 100 mil mortos pela "gripezinha": e daí? Floresta morrendo no fogo: e daí? Polícia assassinando a rodo: e daí? Investigação clandestina para fichar cidadãos contrários ao fascismo: e daí? Presidente falando em dar golpe e fechar o Supremo, como apontou a "piauí": e daí? E daí que a truculência espancou o diálogo? E ainda me vem o Paulo Guedes, especialista em sacar dados sabe-se lá de onde, e diz que livro é coisa de rico. Na cabeça dele, provavelmente, pobre não dá bola para cultura - afinal, quem liga para qualquer coisa que não esteja numa planilha, não é mesmo? Na visão tacanha em vigor, precisamos de mão de obra barata e consumidores, não de gente enchendo o saco com pensamento crítico.
"Existe alguma prova mais eloquente da importância do livro para as vidas humanas do que as estantes cheias de obras, tal como vemos na televisão e nas telas dos computadores e celulares, nesse momento de isolamento social?", indaga o manifesto "Em Defesa do Livro", assinado por entidades ligadas ao setor editorial. A pergunta contrasta com as paredes em branco e estantes vazias que vemos nos escritórios de gente do governo, com destaque mais uma vez para Guedes e suas prateleiras desertas de ideias.
Faz parte do projeto de Bolsonaro trucidar qualquer base mínima de entendimento entre os brasileiros. Até outro dia, pegava bem estudar, buscar por conhecimento, se aperfeiçoar em diferentes campos do saber, ler grandes livros, defender professores e reconhecer a importância do ensino superior e das pesquisas. Mesmo quem não ligava para isso, fingia valorizar. E se uma parcela da população vivia afastada desse universo, havia a compreensão de que cabia ao poder público bolar ações que promovessem a integração, a difusão da educação, da arte e da cultura. Agora não. A tendência da vez é o caminho pelas armas, pela porrada. Ser brucutu está na moda. Não surpreende.
O professor universitário e crítico literário João Cezar de Castro Rocha - colega que prefere o cérebro ao gatilho - tem se estabelecido como um dos principais responsáveis por decifrar o bolsonarismo. O artigo publicado neste domingo na Folha é obrigatório para quem deseja entender como funciona o processo de desmanche do Brasil. Resgato um trecho no qual João fala sobre o "Orvil", livro de teorias tresloucadas, leitura de cabeceira de muitos militares. Eles acreditam mesmo: existem comunistas tentando tomar Brasília e a intelectualidade está a serviço daqueles que almoçariam criancinhas. Escreve João:
"O 'Orvil' explica: se a quarta tentativa de tomada do poder, iniciada em 1974 (e ainda atuante, como prometem os comentários involuntariamente surrealistas do vereador Carlos Bolsonaro), consistiu na infiltração das instituições da cultura, da educação, do entretenimento e da imprensa, então, a tarefa de governar é secundária; a missão prioritária consiste em destruir instituições 'aparelhadas' e corroer por dentro as estruturas do Estado democrático".
Taxar livros não é mera opção econômica do atual governo, mas um movimento importante para minar ainda mais aqueles que enxergam como adversários do Brasil: os seres pensantes. Se menos livros circularão, menos pessoas irão ler, editoras quebrarão e o mercado editorial encolherá - que bom, creem. Subjetividade, criticidade, exposição ao contraditório e rigor intelectual são virtudes apavorantes aos atuais donos do poder. Usar o cérebro para tentar compreender o mundo nunca foi o forte de Bolsonaro. Mas e daí, né!?
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