Topo

Final da Copa de 30, Eduardo Galeano e as arquibancadas que nunca silenciam

Copa de 30 - Reprodução
Copa de 30 Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

30/07/2020 09h32

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

"Você já entrou, alguma vez, num estádio vazio? Experimente. Pare no meio do campo, e escute. Não há nada menos vazio do que um estádio vazio. Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém.

Em Wembley ainda soa a gritaria do Mundial de 66, que a Inglaterra ganhou, mas aguçando o ouvido você pode escutar gemidos que vêm de 53, quando os húngaros golearam a seleção inglesa. O Estádio Centenário, de Montevidéu, suspira a nostalgia pelas glórias do futebol uruguaio. O Maracanã continua chorando a derrota brasileira no Mundial de 50. Na Bombonera de Buenos Aires, trepidam tambores de há meio século".

Não, Eduardo Galeano não estava maluco ou sendo poético demais quando escreveu essas palavras em "O Estádio", um dos textos de "Futebol ao Sol e à Sombra" (L&PM, tradução de Eric Nepomuceno e Maria do Carmo Brito). Afirmo isso porque eu também já ouvi, e muito, essas vozes eternas que ecoam desde outros tempos. Nem precisa apurar os ouvidos para escutar o "Olê, olê, olê, olê, Telê, Telê" emanando pelo Morumbi mesmo em dias sem jogos.

E ouvi suspiros que Galeano também ouviu. Sim, em qualquer situação é possível escutar a nostalgia das arquibancadas do Centenário de Montevidéu. Aliás, tudo no estádio é nostálgico, desde o entorno decadente, passando pela beleza da arquitetura e a simplicidade cheia de simbolismo do museu local, até a eterna nobreza que encontramos ao pisar no cimentão sagrado e ainda vivo.

"Malditos os que transformam o templo do jogo em 'arena multiuso', com ingressos caros, bistrôs, loja de conveniência, espaço gourmet e outros salamaleques. Futebol se joga em estádios com arquibancadas de madeira, cimento ou com o público confortavelmente instalado em barrancos".

Luiz Antonio Simas, outro que conhece a alma do futebol como poucos, escreveu essas palavras em "Os Dez Mandamentos", presente no livro "Ode a Mauro Shampoo e Outras Histórias da Várzea" (Mórula). O Centenário é o oposto dessas arenas toscas da moda. E eu escutei, juro. Quando estive por lá, escutei ecos daquela final de 1930. Daquele 4 X 2 do Uruguai sobre a Argentina. Daquela primeira decisão de Copa que hoje completa 90 anos. Da Celeste, então bicampeã olímpica, alcançando pela terceira vez o topo do mundo da bola.

Ouvi as vozes que soam desde aquele Monumental bebê, palco da grande peleja antes mesmo de completar um ano de vida. Quase 70 mil pessoas ainda urram pelas seleções das duas bandas do rio da Prata. As trocas de sopapos patriotas também permanecem por lá. Para apitar o jogo, conta o escritor uruguaio, o árbitro exigiu até seguro de vida - por sorte, não precisou ser acionado. No primeiro tempo, 2 a 1 para a Argentina; no segundo a reviravolta. Virada delineada antes da partida começar. Galeano nos conta em "A Bola":

"Ela é fiel. Na final do Mundial de 30, as duas seleções exigiram jogar com a bola própria. Sábio como Salomão, o juiz decidiu que o primeiro tempo fosse disputado com a bola argentina e o segundo tempo com a bola uruguaia".

Não é que o futebol tem dessas coisas. O futebol só é o que é graças a essas coisas. Galeano sabia muito bem disso. E só não ouve o barulho eterno das arquibancadas quem não entende nada da bola - nem da vida, talvez.

Obs: agradeço ao pessoal do podcast "30 Minutos" pela lembrança do texto de Galeano sobre o eterno barulho das arquibancadas.

Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Twitter, Facebook, Instagram, Youtube e Spotify.