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Com a vida destrambelhada? Verissimo pode te ajudar (a sorrir, pelo menos)

Luís Fernando Veríssimo no programa de Pedro Bial - Reprodução/TV Globo
Luís Fernando Veríssimo no programa de Pedro Bial Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

30/06/2020 09h12

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"O tamanho do cérebro não determina, necessariamente, o tamanho da inteligência. O homem de Neandertal, que até pouco tempo era considerado nosso antepassado (hoje se especula que é o antepassado só de jogadores de rúgbi, aqueles cujo capacete protetor é o próprio crânio, e do Jair Bolsonaro) tinha um cérebro maior do que o nosso, além de uma estrutura óssea e muscular mais desenvolvida, mas não conseguia nem falar e deu em nada como espécie".

A injustiça contra os jogadores de rúgbi foi cometida por Luis Fernando Veríssimo em crônica publicada pela primeira vez em 1999, no Estadão, uma de suas casas até hoje. Há livros que se prestam à leitura linear e, de preferência, completa - romances costumam ser assim. Outros admitem uma exploração menos compromissada ou rígida: abre-se numa página, lê-se um texto aqui, outro ali, pula-se para um título interessante lá do final. "Verissimo Antológico: Meio Século de Crônicas (Ou Coisa Parecida)" integra esse segundo time.

Passeio pelo volume de mais de 700 páginas e encontro "Futebol de Rua", texto que me acompanhou quando moleque. As regras mais importantes da minha infância estão lá: gols demarcados com tijolos, guias delimitando o campo, falta de luz ou mãe chamando para acabar com a partida, nada de juiz, falta só quando o adversário cai no bueiro e, se não gostou, basta recorrer ao tópico "da justiça desportiva". Nele lemos: "Os casos de litígio serão resolvidos no tapa". Pode não ser edificante, mas é isso. Sabe da vida o Verissimo.

São mais de 300 as crônicas reunidas no e-book publicado pela Objetiva, parte delas fora de circulação há décadas. O tijolo virtual chega para comemorar os 50 anos do mestre no gênero no qual desfila o humor, a ironia (destaque para a finíssima autoironia) e a perspicácia típicos de sua literatura. O jornalista Marcelo Dunlop capitaneou o time que deu forma à coletânea. Na hora de escolher quais peças ficariam de fora, caíram as que comentassem notícias quentes e que apresentassem personagens clássicos, como o Analista de Bagé e a Velhinha de Taubaté, figuras fáceis de se achar em outros momentos da obra de Verissimo. Compreensível, porém uma pena: as tiras das Cobras também ficaram de fora - a faceta quadrinista do autor me parece menos celebrada do que merece.

Verissimo Antológico - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
"Verissimo Antológico" cumpre bem o que promete: apresentar aos leitores os temas mais recorrentes do gaúcho, como a editora Daniela Duarte ajuda a pontuar: recriações históricas, relacionamentos amorosos, tramas ou sátiras policiais, o lado mítico do futebol, a política… Também há registros sobre a timidez cara ao escritor ("Não há momento mais temido na vida de um tímido do que quando lhe passam a palavra"), o universo problemático das amizades masculinas e diversas boas passagens sobre gastronomia, área na qual onde Verissimo despontou. "Neste mundo em que as velhas certezas agonizam, o relativismo moral invadiu a gastronomia e tem até pizza de fruta", alerta o sábio.

Em "2020", crônica de 5 de janeiro deste ano e a última da antologia, Verissimo lembra de quando lhe pediram para cuidar do horóscopo de um jornal. "Todos os dias inventava o destino das pessoas e distribuía as previsões e os conselhos pelos doze signos do zodíaco". Era só uma das etapas de sua picaretagem astral ou "trapaça sideral", como define. "Eu só queria dizer que, mesmo quando era eu que escrevia os textos, nunca deixava de olhar para ver o que Libra reservava para meu futuro. Fazer o quê? Precisamos de uma direção na vida, venha ela de onde vier", finaliza.

Se hoje a vida parece estar destrambelhada, sem direção alguma, pelo menos ainda temos Luis Fernando Verissimo para nos fazer pensar, sorrir e dar risada de nós mesmos. Pelo andar da desgraça, já é uma grande coisa.

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