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Por que tanta surpresa com o voto de Lya Luft em Bolsonaro?

Lya Luft, em foto de 2006 - Getty Images
Lya Luft, em foto de 2006 Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

24/06/2020 13h13

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Bolsonaro cogitou metralhar a petralhada. Falou em arrobas para se referir ao peso de negros e em matar 30 mil para que o Brasil começasse a melhorar. Afirmou que ter filho gay é falta de porrada e que pelo voto não se muda nada. Sempre elogiou a sanguinolência dos militares durante a ditadura. Vociferou: "As minorias têm que se curvar às maiorias". E Lya Luft foi lá e apertou o 17.

Respeito a inteligência da escritora, por isso tenho certeza de que levou em conta todas essas informações na hora de escolher o voto. Seu direito, faz parte da democracia que agora ela mesmo assume estar em perigo ou já ter ido pro brejo. "Parece que vivemos uma ditadura branca, uma coisa estranha, onde ele [Bolsonaro] decreta e tem que ser como ele quer. Mesmo em assunto em que ele não entende [novo coronavírus], quando estão morrendo milhares de pessoas. Essas distrações dos líderes na sua própria cobiça, a distração do sofrimento das pessoas, estão me deixando muito muito entristecida, é preciso cuidar das pessoas", disse à Folha a autora de "Perdas e Ganhos". Parece se dar conta do quanto estamos perdendo.

Está fazendo bastante barulho a revelação do voto de Lya. Da lembrança que tenho de seus textos, de suas colunas na Veja, imaginava que não seria eleitora do Boulos. Para alguns, parece espantoso descobrir que uma escritora bem conhecida vota em alguém que nunca escondeu a paixão pelo que há de pior no ser humano (o ídolo de Bolsonaro é um torturador, não custa lembrar). Entendo a surpresa, mas a história está cheia de escritores abraçados à carnificina e ao autoritarismo.

Rachel de Queiroz defendia a ditadura militar. Gabriel García Márquez morreu passando pano para os crimes contra a humanidade cometidos por Fidel Castro. Jorge Luis Borges, que sempre me pareceu um palerma político, vivia sob o quepe dos oficiais argentinos que sequestravam, matavam e jogavam corpos de opositores no mar. O francês Céline é mais lembrado pela afeição ao nazismo do que por seus livros.

É bobagem pensar que arte e cultura são coisas de esquerda, como muitos insistem em vociferar. É coisa de gente. Sendo assim, nessas áreas encontramos pessoas de todo o espectro político. Se por acaso os pensamentos progressistas parecem maioria, que bom, são eles que podem fazer do mundo um lugar mais humano, mais plural, mais democrático. Um mundo livre até para outro artista cravar seu voto em quem ataca tudo isso. Entendo o arrependimento de Lya, só não compreendo o tom de surpresa com o governo que ajudou a eleger.

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