Uma década sem José Saramago: 10 citações para conhecer melhor o escritor
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"A finitude é o destino de tudo. O Sol, um dia, apaga-se", disse Saramago em 2005, em entrevista para o Suplemento Mil Folhas, de Lisboa. Cinco anos depois, num 18 de junho como hoje, aos 87 anos, o Sol do único escritor de língua portuguesa a vencer o Prêmio Nobel de Literatura se apagou.
O português de Azinhaga deixou um legado com obras como "Ensaio Sobre a Cegueira", "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", "Memorial do Convento", "O Ano da Morte de Ricardo Reis" e "História do Cerco de Lisboa". Partidário da razão e do pensamento crítico. Comunista, ateu e intelectual profundamente interessado na ideia de deus. Um grande humanista preocupado com os caminhos do mundo. Escritor consciente de sua força, mas também de suas limitações. São alguns traços que ajudam a esboçar o que Saramago foi.
Pensando no homem de carne e osso, resolvi reunir dez citações que ajudam o leitor a conhecer um pouco melhor a personalidade de José. As ideias abaixo não são de narradores ou de personagens criados pelo escritor. Elas não estão nos livros escritos pelo autor de "A Jangada de Pedra". São fragmentos retirados de entrevistas que Saramago deu ao longo da vida e pescados do livro "José Saramago nas Suas Palavras" (Caminho, seleção de Fernando Gómez Aguilera).
Antes das citações, uma lembrança, um evento e um aviso. Escrevi sobre meu recente "encontro" com Saramago numa coluna do começo do ano, aqui o link. Hoje, a partir das 22h30, a Fundação José Saramago promoverá a leitura virtual de "Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas"; custará 3 euros e a grana arrecadada será doada para o Fundo de Apoio aos Profissionais da Cultura, eis o caminho. E amanhã, no podcast da Página Cinco, haverá uma entrevista com Sérgio Machado Letria, diretor da Fundação. Agora sim, às ideias:
Democracia e direitos humanos
"Sem democracia não pode haver direitos humanos, mas sem direitos humanos também não haverá democracia. Estamos numa situação em que se fala muito de democracia e nada de direitos humanos. Creio que essas são as duas grandes batalhas para este século. E se não nos lançarmos nelas, o século será um desastre" (2003).
Que humanidade é esta?
"Se o homem não for capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer as necessidades de uma humanidade que está a morrer de fome e de tudo, que humanidade é esta? Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, acho que ainda não chegamos a isso, não somos seres humanos. Talvez cheguemos um dia a sê-lo, mas não somos, falta-nos mesmo muito. Temos aí o espetáculo do mundo e é uma coisa arrepiante. Vivemos ao lado de tudo o que é negativo como se não tivesse qualquer importância, a banalização do horror, a banalização da violência, da morte, sobretudo se for a morte dos outros, claro. Tanto nos faz que esteja a morrer gente em Sarajevo, e também não devemos falar desta cidade, porque o mundo é um imenso Sarajevo. E enquanto a consciência das pessoas não despertar isto continuará igual. Porque muito do que se faz, faz-se para nos manter a todos na abulia, na carência de vontade, para diminuir a nossa capacidade de intervenção cívica" (1994).
Felicidade
"Continuo a pensar que o socialismo - um socialismo autêntico, não aquele que foi chamado 'real' e que de real nada teve, não igualmente essa caricatura ignóbil que os partidos socialistas europeus continuam a denominar socialismo - será o caminho para uma certa felicidade, coletivamente entendida. Mas a felicidade é, sobretudo, uma questão pessoal. No que me toca, aprendi que o amor, sendo a mais relativa de todas as coisas, é absoluta condição de felicidade" (1993).
Morte do cidadão
"Nós estamos a assistir ao que eu chamaria a morte do cidadão e, no seu lugar, o que temos e, cada vez mais, é o cliente. Agora já ninguém nos pergunta o que é que pensamos, agora perguntam-nos qual a marca de carro, de fato, de gravata que temos, quanto ganhamos..." (1998).
Revolução da bondade
"Acho que a grande revolução, e o livro ['Ensaio sobre a Cegueira'] fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estavam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá, não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem por este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremadamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damo-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram da sua vida uma sistemática ação perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes" (1995).
As guerras mais absurdas
"Todas as guerras são absurdas, mas as guerras de religiões são as mais absurdas de todas, porque se fazem em nome não se sabe de quê. A capacidade de autoengano do ser humano não tem limites. Inventa uma coisa e acaba por acreditar que isso que inventou é definitivo na sua vida. Tudo acontece dentro dele, fora, nada. Que ideia é essa de que um Deus poderosíssimo e imponente ia criar seres à sua imagem e semelhança para os pôr numa pequeníssima galáxia, num sistema solar insignificante, num minúsculo planeta com todo o universo à sua volta? Criou todo o universo para isto?" (2002).
Nenhum motivo para ser otimista
"Eu não vejo, sinceramente não vejo, e gostaria de ver para minha tranquilidade, nenhum motivo para ser otimista, não só perante a história da nossa espécie como diante do espetáculo de um mundo que é capaz, porque tem meios para isso, de resolver uma quantidade de problemas, desde a fome até a educação ou a falta dela, e que não o faz. E não o faz por quê? Porque aquilo que conta é o lucro" (1998).
História como ficção
"A História não é uma ciência. É ficção. Vou mais longe: como na ficção, há uma tentativa de reconstruir a realidade através de um processo de seleção de materiais. Os historiadores apresentam uma realidade cronológica, linear, lógica. Mas a verdade é que se trata de uma montagem, fundada sobre um ponto de vista. A História é escrita sob um prisma masculino. Se fosse feita pelas mulheres seria diferente. Enfim, há uma História dos que têm voz e outra, não contada, dos que não a tem" (1989).
Escritor X leitor
"Um escritor não tem o direito de rebaixar o seu trabalho em nome de uma suposta maior acessibilidade. A sociedade, isto é, todos nós, é que temos o dever de resolver os problemas gerais de acesso e fruição dos bens materiais e culturais" (1978).
Brasil
"O Brasil - salvo melhor opinião - está, ao mesmo tempo, dentro e fora da América. Não me atreveria a dizer que o Brasil seja um corpo estranho em relação ao conjunto dos restantes países, mas não tenho dúvida de que existe ali um problema de conhecimento, necessidade mútua e convivência que deveriam resolver" (2007).
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