Brasil no Oscar

O país tem uma história de décadas com a maior premiação do cinema

Beatriz Amendola e Renata Nogueira Do UOL, em São Paulo Divulgação

A Vida Invisível pode ter ficado de fora, mas não importa: O Brasil vai estar no Oscar 2020. Democracia em Vertigem, filme de Petra Costa sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, foi anunciado como um dos indicados da categoria de melhor documentário em longa-metragem, na qual disputa o prêmio com Indústria Americana, The Cave, For Sama e Honeyland.

A polarização tem dado o tom das reações desde o anúncio das indicações, feito ontem pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Mas, divergências políticas à parte, o reconhecimento de Democracia em Vertigem é parte da história que o Brasil vem construindo na maior premiação do cinema há sete décadas, com uma lista de indicados que conta com nomes fortes como Fernando Meirelles, Fernanda Montenegro e Carlos Saldanha.

Ler mais
Divulgação
Divulgação

Brasil e Oscar, o começo

A história do Brasil com o Oscar se iniciou em 1945, quando Rio de Janeiro, uma composição de Ary Barroso, foi indicada como melhor canção original pelo musical Brasil - ironicamente, uma produção americana estrelada por Tito Guizar e Virgina Bruce. Barroso perdeu o prêmio para Going My Way, do filme O Bom Pastor, e o Brasil demoraria mais 15 anos para voltar à premiação.

O retorno, porém, veio em grande estilo. Orfeu Negro, filme baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, levou para casa o troféu de melhor filme estrangeiro em 1960, tornando-se a primeira produção em língua portuguesa a conquistar o título. A vitória não contou para o Brasil: o longa concorreu como representante da França, já que foi coproduzido pelos dois países e pela Itália.

O primeiro representante brasileiro a disputar o Oscar na categoria - hoje chamada de filme internacional - seria O Pagador de Promessas (foto), de Anselmo Duarte, em 1963. O filme, que já havia ganhado a Palma de Ouro do Festival de Cannes, perdeu para o francês Sempre aos Domingos, de Serge Bourguignon.

Décadas depois, nos anos 1990, o Brasil emplacou mais três indicados à categoria: O Quatrilho, de Fábio Barreto (1996), O Que É Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto (1998), e Central do Brasil, de Walter Salles (1999). Os três saíram derrotados —os dois primeiros, por produções holandesas, e o último, pelo italiano A Vida É Bela.

Divulgação Divulgação

Do nicho às disputas principais

O Brasil também já conseguiu sair da caixinha reservada aos filmes internacionais e extrapolar para as categorias principais do Oscar - em uma situação muito parecida com a de Parasita, de Bong Joon Ho, neste ano e a de Roma, de Alfonso Cuarón, no ano passado.

O Beijo da Mulher-Aranha, coprodução Brasil/EUA centrada em um diálogo entre dois homens que estão presos no período da ditadura militar nacional, chegou ao Oscar de 1986 como um dos nomes fortes da corrida. O longa de Hector Babenco, argentino naturalizado brasileiro, foi indicado nas categorias de filme, roteiro e direção —e acabou rendendo um prêmio de melhor ator a William Hurt.

Em 1999, Central do Brasil conseguiu, ainda, uma indicação para Fernanda Montenegro, na categoria de melhor atriz. A nossa veterana foi a primeira atriz latino-americana a concorrer ao prêmio —e é, ainda hoje, a única a ter sido indicada por uma produção em português.

O caso mais notório, porém, foi o de Cidade de Deus (2002). A produção de Fernando Meirelles não entrou entre as indicadas a melhor filme estrangeiro do Oscar 2003, mas foi reconhecida pela premiação no ano seguinte, após fazer sucesso nos cinemas dos Estados Unidos e da Europa.

O longa acabou concorrendo em quatro categorias: diretor (Fernando Meirelles), roteiro adaptado (Bráulio Mantovani e Paulo Lins), edição (Daniel Rezende) e fotografia (César Charlone). Sem chances perante o fenômeno O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei, Cidade de Deus não levou nada, mas deixou a noite com seu prestígio consolidado - e Meirelles emplacou outros trabalhos em Hollywood, como Ensaio Sobre a Cegueira (2008) e o recente Dois Papas, que concorre a três Oscars em 2020 (roteiro adaptado, ator e ator coadjuvante).

Em 2016, a animação O Menino e o Mundo (2013), de Alê Abreu, foi indicado na categoria de melhor animação.

Os queridinhos de Hollywood

Divulgação

Rodrigo Teixeira

O produtor brasileiro está por trás de dois indicados só neste ano: O Farol (melhor fotografia) e Ad Astra (melhor mixagem de som). É dele também a produção de Me Chame Pelo Seu Nome, que concorreu em 4 categorias em 2018 e levou como melhor roteiro adaptado. Teixeira ainda trabalhou em A Vida Invisível, representante do Brasil no Oscar que acabou fora da disputa de melhor filme internacional. Em seu currículo o brasileiro também soma trabalhos com os diretores Greta Gerwig (Frances Ha e Mistress America) e Martin Scorsese (A Ciambra), ambos com indicações neste ano por Adoráveis Mulheres e O Irlandês.

Jean-Baptiste Lacroix/AFP

Carlos Saldanha

Rei das animações, o diretor brasileiro tem no currículo A Era do Gelo, Rio e O Touro Ferdinando, todas com indicações ao Oscar. Em 2004, foi indicado ao Oscar nominalmente pela primeira vez com o curta animado Aventura Perdida de Scrat. A indicação mais recente veio em 2018, com O Touro Ferdinando concorrendo a melhor animação. Com tantos trabalhos lembrados nos últimos anos, Carlos Saldanha também é um membro votante da Academia. Prestes a completar 55 anos, o carioca vive nos Estados Unidos e é um dos nomes mais respeitados na área de animação.

AFP Photo/Alberto Pizzoli

Walter Salles

Foi com Central do Brasil (1998) que o diretor brasileiro conseguiu uma indicação para o Brasil na categoria melhor filme estrangeiro e levou Fernanda Montenegro, a grande dama da dramaturgia nacional, ao tapete vermelho da maior premiação do cinema, com uma indicação de melhor atriz. Também dirigido por ele, Diários de Motocicleta, de 2004, abocanhou uma estatueta e outra indicação, fazendo deslanchar sua carreira internacional. O brasileiro ainda viria a dirigir Kristen Stewart em Na Estrada, adaptação do clássico de Jack Kerouac On The Road, e Jennifer Connelly em Água Negra, entre outras grandes produções.

Luca Teuchmann/Getty Images

Um Oscar quase brasileiro

Em 1993, Luciana Arrighi levou o Oscar de melhor direção de arte (atualmente o nome da categoria é design de produção) por Retorno a Howards End, filme protagonizado por Anthony Hopkins. Apesar de ter nascido no Brasil, em 1940, a figurinista filha de pai italiano e mãe australiana saiu daqui com 2 anos e foi criada na terra-natal de sua mãe, onde também estudou. Portanto, sua cidadania é australiana. Caso a estatueta contasse para o Brasil, seria o nosso primeiro Oscar.

Divulgação

Do aterro ao planalto

Democracia em Vertigem não é a primeira produção brasileira a ser indicada na categoria de documentário em longa-metragem. Esse título pertence a Raoni, documentário sobre o notório líder indígena dirigido por Luiz Carlos Saldanha e Jean-Pierre Dutilleux, que concorreu ao Oscar de 1979.

Após um hiato de mais de 30 anos, a Academia indicou, em 2011, Lixo Extraordinário, produção sobre o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz com catadores de material reciclável em um dos maiores aterros do mundo, localizado no Jardim Gramacho, bairro periférico de Duque de Caxias.

Em 2015, foi a vez de O Sal da Terra (foto), documentário sobre o fotógrafo Sebastião Salgado feito em parceria por seu filho, Juliano, e pelo cineasta Win Wenders.

Vale lembrar, ainda, de Tetê Vasconcellos, que em 1982 concorreu ao Oscar com El Salvador: Another Vietnam, produção americana que dirigiu em parceria com Glenn Silber.

Divulgação

Do curta à animação

O Brasil também já emplacou representantes em outras categorias do prêmio máximo do cinema. Em 2001, o país concorreu ao prêmio de melhor curta-metragem em live-action com Uma História de Futebol. Dirigido por Paulo Machline, o curta traz passagens ficcionalizadas da infância de Pelé, narradas pela voz de Antônio Fagundes.

Em 2012, Carlinhos Brown e Sergio Mendes garantiram uma nova indicação na categoria de melhor canção original por Real in Rio, da animação Rio. Eles só tinham um concorrente, Man or Muppet, do filme Os Muppets — para quem acabaram perdendo.

Quatro anos depois, o Brasil conseguiu uma indicação inédita à categoria de animação com O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, que foi derrotado pelo imbatível Divertida Mente, da Pixar.

Participaram, mas não levaram

Jim Smeal/Ron Galella Collection via Getty Images

Sônia Braga

A atriz brasileira [na foto com Denis Hopper] já participou da cerimônia do Oscar, embora nunca tenha sido indicada ao prêmio máximo do cinema. Em uma interação bilíngue, ela apresentou ao lado de Michael Douglas a categoria de melhor curta-metragem na 59ª edição da premiação, em 87. Na época, Sônia Braga já brilhava lá fora após o filme O Beijo da Mulher Aranha e havia feito uma participação na série de TV americana The Cosby Show. "Você deveria dizer alguma coisa para seus amigos no Brasil", sugeriu Douglas, no que a atriz respondeu, em português: "Estou com muitas saudades." Assista ao vídeo completo clicando em "ler mais"

Ler mais
Kevin Winter/Getty Images

Caetano Veloso

Em 2003, o cantor baiano subiu ao palco do Oscar para cantar Burn It Blue, música tema de Frida, que concorria à estatueta de melhor canção original naquela mesma noite. Caetano Veloso foi apresentado como "o brasileiro mais incrível que eu já conheci, talentoso, grande cantor e grande amigo" pelo ator mexicano Gael García Bernal, que introduziu a performance em parceria com a cantora mexicana Lila Downs. O brasileiro ainda participaria da trilha sonora de outros filmes que levaram estatuetas douradas: Fale Com Ela (2002), de Pedro Almodóvar, e Moonlight (2016), de Barry Jenkins. Assista ao vídeo completo clicando em "ler mais"

Ler mais
Topo