Depois de uma longa tarde de ensaios, Arnaldo Antunes chega à entrevista, agendada em um escritório na região central de São Paulo, pontualmente —e falamos de pontualidade literal, de 18h cravadas. "Quando saio de ensaio, saio no maior pique", ri o ex-Titã, 59 anos e vitalidade juvenil. A disposição para papear sobre qualquer tópico e posar —ao som de Bob Marley— para as fotos que acompanham esta entrevista parece ter saído de alguma aparição dos Titãs na TV dos anos 1980.
A fase é frutífera. Encerrado o segundo ciclo dos Tribalistas, que lotou arenas e conseguiu o feito de, em plena era sertaneja, colocar um disco de MPB no topo no Brasil e Portugal, Arnaldo está inquieto. Seu novo álbum, "O Real Resiste", e especialmente a faixa-título, é certamente um dos manifestos mais explícitos da carreira, em que se revela um artista frontalmente combativo ao grupo que comanda o país e a todos os seus apoiadores. Na entrevista e na música, Arnaldo faz questão de tocar na política.
A expressão ao vivo de seu protesto artístico —entre outras manifestações, no entanto, vai demorar para acontecer. Com a pandemia do coronavírus, que vem provocando cancelamentos em efeito cascata no mundo, a turnê que começaria em março e passaria por várias capitais brasileiras este ano, com Arnaldo Antunes acompanhado apenas de um piano no palco, teve de ser adiada sem previsão de início. Nada que interfira em sua paz de espírito.
"É frustrante, mas tento ver isso como uma oportunidade para uma reflexão e reavaliação de valores e necessidades", reflete ele, com a serenidade do "budista moderno" que é. Antes, a pedido do fotógrafo do UOL, Arnaldo havia sentado no chão e emendado de cara, por conta própria, uma posição de meditação. Sua elasticidade é espantosa. "Você faz ioga?", questiona o repórter, inocente. "Não, faço show." E ele vai continuar.