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Luta antirracista sem organização pode se voltar contra nós, alerta Emicida

Emicida em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, em 27 de julho - reprodução/TV Cultura
Emicida em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, em 27 de julho Imagem: reprodução/TV Cultura

Do UOL, em São Paulo

27/07/2020 23h22

No início de junho, Emicida foi criticado por militantes ao anunciar que não estaria presente nos protestos contra o racismo e a favor da democracia que ocorreram no Brasil. Hoje, no Roda Viva, o rapper reiterou sua preocupação com a pandemia do coronavírus e alertou que a luta antirracista pode ser enfraquecida se não houver "organização de base".

Toda essa capacidade de se mobilizar não pode ser desperdiçada. Mas a gente precisa entender que a mobilização, sem organização de base e sem construção coletiva, pode desaguar em alguma coisa que talvez até se volte contra nós. (...) Muitas pessoas se posicionaram contra minhas palavras naquele momento porque acreditaram que eu estava desmobilizando a luta antirracista. Comprometer-se com a luta antirracista neste momento é fortalecer certas coalizões.

"Todo mundo nesse momento está atravessando uma situação muito difícil. E o racismo não dá trégua nem nesse momento de travessia de uma situação extremamente difícil para todos os seres humanos que se sentem ameaçados e angustiados. Acho que a mobilização é extremamente válida, fundamental, importante, urgente. Mas ela carece de uma organização, e tem uma questão geracional que acho importante ressaltar", completou.

A saúde do povo negro é prioridade para ele agora.

Emicida deixou claro que sua preocupação com a pandemia não se restringe ao que pensa sobre manifestações de rua e aglomerações populares neste momento: "Não vou subir mais no palco em 2020. Acho muito simbólico que eu mostre para as pessoas que estou respeitando as diretrizes da OMS [Organização Mundial da Saúde], para mim isso é prioridade".

Este posicionamento não diminui sua atenção à luta antirracista, já que o preconceito racial o atinge diretamente como homem negro. Para explicar seu ponto, Emicida citou uma frase do ator Will Smith e opinou que o movimento negro no Brasil e nos Estados Unidos —onde morreu George Floyd, vítima de ação policial— não surgiu agora.

Will Smith disse que o racismo sempre foi assim, o que acontece é que agora está sendo filmado e compartilhado nas redes sociais. Para nós, que sentimos o peso dessa estrutura racista na pele, todos os dias, infelizmente não é novidade ver uma imagem como a de Floyd ou da senhora em Parelheiros que o policial pisoteou no pescoço, influenciado pela tragédia de semanas antes. (...) A luta antirracista do Brasil não começou agora, não é uma luta de cinco anos.

Bolsonaro combina com hip-hop, Emicida?

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O presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
Imagem: Alan Santos/PR

O rapper foi convidado a responder à pergunta acima, e a resposta foi negativa. Emicida afirmou que não aceitaria conversar com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre as pautas que o hip-hop ajuda a fortalecer e que são tão importantes para ele próprio.

Se eu aceitaria me encontrar com o Bolsonaro para conversar sobre hip-hop... Obviamente não. Os valores que o Bolsonaro defende são absolutamente contrários a tudo que eu acredito.

"Tem um vídeo antigo onde o Bolsonaro diz que ia fazer tudo que está tentando fazer nesse momento. A natureza de alguém com esse tipo de pensamento não se conecta de maneira nenhuma com os valores humanistas que o hip-hop defende. O hip-hop é a luta constante de melhorias para todo mundo, para todas as pessoas", definiu.

As recentes declarações de Kanye West, que manifesta vontade de concorrer à presidência dos Estados Unidos, levaram a bancada do Roda Viva a perguntar se Emicida tem qualquer vontade de entrar para a política.

A resposta foi simples:

Cê tá doido?

"Se sem pegar dinheiro público os caras já estão me condenando, imagina se eu tivesse um cargo político? Pelo amor de Deus, eu não ia poder sair de casa", explicou o rapper.

Emicida não quer ser o 'Kanye brasileiro'.

E ele não teme ser "cancelado" por essas opiniões. Aliás, Emicida nem acredita tanto assim na existência do que chamam de "cultura do cancelamento".

Tem uma coisa que a gente tem que observar com cuidado. Muitas pessoas que reivindicam a coisa do cancelamento e dizem 'eu estou cancelado', na verdade, só estão sendo questionadas ou responsabilizadas pelo que falaram.