Topo

Mano Brown: 'Brasil é corrupto suficiente para não abraçar ideologia'

Dráuzio Varella entrevista Mano Brown - Reprodução
Dráuzio Varella entrevista Mano Brown Imagem: Reprodução

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

24/06/2020 20h18

O rapper Mano Brown e o médico Dráuzio Varella fizeram hoje uma live diferente, protagonizada por dois personagens para muitos improváveis, mas que têm muito o que dizer. Sob a hashtag #manodraw, eles se uniram para discutir temas atuais como o racismo estrutural, a política brasileira e também a música.

Veja a íntegra abaixo

Já adiantamos que o papo rendeu

Em mais de uma hora, Dráuzio conduziu a conversa como bom entrevistador, mostrando-se grande fã de rap e extraindo do líder dos Racionais frases e opiniões impactantes, como já esperávamos. E nós separamos dez delas para você, em um "resumão" especial da live, que foi acompanhada por milhares de pessoas. Acompanhe a seguir.

O que Mano Brown pensa sobre política e ideologias

Acho que Brasil é corrupto para não abraçar ideologia de ninguém. Nem de extrema direita, extrema esquerda, nazista. Vai ser sempre um grupo pequeno que tem que ser combatido. Mas nunca vai pegar. Brasileiro, pelo que entendo, é misturado mesmo

Sobre o governo Lula

Vejo muita gente da direita dizendo sobre minorias. Mas não foi fácil, mesmo no governo Lula. O governo deu, sim, uma condição. Mas sempre teve dificuldades. Ele diminuiu a distância das possibilidades, mas não quer dizer que o sol agora esteja perto

Sobre o racismo brasileiro

A mentalidade racista está na cabeça de todos. Cada um no seu lugar de fala. Toda conjuntura é desfavorável. Todos pagam um preço. A leitura de um branco no meio de dois negões é de que ele é a vítima. Que temos que proteger o branco. O Brasil é isso aí

Sobre o George Floyd e os protestos nos EUA

A periferia lida com modo diferente [com o racismo] e até com violência dos EUA. No Brasil, morre muito mais gente daquele jeito. Mas os EUA são uma torre. Repercute. Isso é bom para a raça negra do mundo inteiro

Sobre o voto como arma

Não vejo o povão engajado em filosofia radical nenhuma. Agora, através do voto, o cara pode ser sanguinário. Talvez não queira confronto físico, mas no voto dá machadada no outro. Se o cara tem problema com cantor de rap, pobre emergente, mano ouvindo funk no fundo 'busão', ele vai votar [contra ele].

Sobre quem diz que rap induz à violência

Não tem como não induzir, mas não é proposital. (...) Já tinha gente vivendo aquela realidade. Não sei porque as pessoas ficaram abismadas. Estava na cara de todo mundo. Todos sabiam que a vida de preto é isso mesmo. Que ele tem que lutar. Todo mundo bebe da mesma fonte racista

Sobre como foi "sobreviver no inferno", conforme diz o título do disco dos Racionais

Essa sobrevivência não era só da cadeia, mas da rua, da vida. Vários infernos. Nessa época, eu vivia duro na Cohab. Rap sempre teve altos e baixos. Às vezes não tinha dinheiro para nada. Ia fazer show na quebrada, morria um cara e a gente ficava quatro meses sem poder trabalhar

Sobre ter "previsto" a pandemia

Vinha sonhando com sentimento parecido havia meses. Tentava fugir e apareciam pessoas estranhas. Era sinistro. Não ligava, porque era fora do normal. Depois sonhei de novo com o sentimento da coisa vindo. O sol baixando, o medo no ar, do fim do mundo. Senti gosto do sonho e fiquei com medo.

Sobre a violência que assola a quebrada

Povão quer segurança. Acha que todo morador de favela curte rap, funk? Não. A grande maioria acorda cedo, leva filho para a escola, anda para pegar ônibus. Pessoas precisam de paz. Eles também têm medo de perder o filho (...) Não pode negligenciar o medo do povo

Sobre o que entende como retrato do Brasil atual

É um Brasil feião sem maquiagem. Sempre foi isso aí. Essas coisas mandadas aí. Pessoal já falava [no rap]. Na real, o favelado não está assustado com George Floyd, Covid. Deveria, mas não está. A lutra é constante para esse povo. Acabou covid, vai para outra luta