Elza Soares: 'George Floyd me machucou, mas só posso sentir e sofrer'

Retrato da cantora Elza Soares para seção "Sem Filtro" de Universa - Jorge Bispo/UOL — Retrato da cantora Elza Soares para seção "Sem Filtro" de Universa Imagem: Jorge Bispo/UOL

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

23/06/2020 04h00

Elza Soares tem várias datas de nascimento. E não adianta perguntar qual é a correta. Nem ela sabe. Nos documentos, nasceu há exatos 90 anos, em 23 de junho de 1930. Mas esse dia e esse mês se referem à emancipação da cantora, usada para poder se casar pela primeira vez, forçadamente, aos 13 anos de idade. A data correta seria 22 de julho de 1933... ou 1937. Não há registro.

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O fato é que pouco importa. Elza —insira aqui a idade— é hoje um monumento da cultura brasileira. Símbolo da militância racial, das questões gênero e de um país rasgado pelo machismo e outras ranhuras sociais. E nunca é demais enaltecer suas histórias e sua importância na música brasileira, que nos últimos anos vem passando por um bem-vindo processo de redescoberta.

E, fãs, atenção: Elza faz hoje sua primeira e aguardada live.

Aproveitando a estreia, nós conversamos por mensagem de áudio com ela, que se mostrou cética sobre diversos temas espinhentos. Do racismo estrutural à passagem do bastão de sua música. De uma eventual aposentadoria à mera possibilidade de sonhar. Sobre governo Bolsonaro e o estado do país, preferiu não responder. Não que não imaginemos o que viria.

Em meio ao pessimismo e incertezas advindas da pandemia, Elza "noventona" felizmente ainda é capaz de se dizer feliz. E nós ficamos com ela.

1. Como você se sente completando esse novo ciclo? Quais sonhos ainda espera realizar?

Realizar sonhos é muito difícil. Quando você está vivo, você não realiza. Você sonha. Continuo sonhando. Espero que o Brasil cresça um pouco mais. Que o brasileiro cresça um pouco mais. Para mim, pessoalmente, cada dia é um dia.

2. Há publicações que registram seu nascimento em 1930, 1933, 1937.... Em que você ano nasceu afinal?

Não sei explicar, não. Seu Avelino, meu pai, já morreu. E só ele saberia disso. Mais ninguém. Eu não sei

3. O assassinato do George Floyd nos EUA desencadeou a maior onda de protestos contra o racismo em 50 anos. Por que ainda não superamos essa chaga?

Eu acho que ainda vai demorar muito mais. A humanidade está caminhando muito devagar. Passo a passo. Esse caso [do George Floyd] é muito sério. Não é brincadeira. A gente está lidando com uma coisa muito doída. Me machuca muito ver isso. Mas eu sou uma só. Não posso fazer nada. Posso sentir e sofrer

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Gentem, espero que essa mensagem toque o coração de cada um de vocês. Eu sei que não tá fácil, que o mundo parece ter virado de ponta-cabeça e virou mesmo. É o racismo estrutural fazendo vítima atrás de vítima aqui e no mundo. É esse vírus agressivo que nos tira as pessoas que amamos, que pode nos levar a qualquer hora, se não formos muito cuidadosos. São os absurdos causados pela vaidade política, pelo autoritarismo que acometeu nosso país e ameaça nossas vidas como um vírus mortal. Eu sei que é duro manter as esperanças quando olhamos o aumento vertiginoso dos números da violência doméstica. Eu sei... eu sei... mas vai passar. Nada é pra sempre. Precisarmos de firmeza, de fé, de amor pra continuar a luta, pra construirmos um país melhor. Temos uma oportunidade única de mudar as coisas, a maneira de pensar, de lutar sem medo contra os racistas, de frear a ameaça facista, de dar um basta no pensamento machista. É um passo de cada vez e quero aqui agradecer do fundo de minh?alma a todos vocês que saíram às ruas ontem para lutar por cada um de nós. Obrigado à vocês que arriscaram suas vidas, sua integridade física por um bem maior. Obrigado por protestarem de forma pacífica e demonstrarem que o lado do amor é sempre o melhor lado, seja lá qual for sua ideologia política. Quisera eu estar ali na luta ao lado de vocês. Infelizmente por ser do grupo de risco, não pude estar de fato, mas estive em orações todo tempo. Quero também mandar um abraço fraterno, especial para cada uma das mais de 36.000 famílias que perderam um ente querido para essa doença avassaladora. Meus sinceros sentimentos. Essa dor terrível também vai passar e vão ficar as boas lembranças, a saudade... vai passar! Tenho fé! Tudo isso vai passar. #vaipassar #elzasoares #ondanegra
Uma publicação compartilhada por Elza Soares (@elzasoaresoficial) em 8 de Jun, 2020 às 3:50 PDT

4. Nos últimos anos, você lançou ótimos discos, abraçados pela crítica e jovens. Voltar a falar com eles era seu objetivo ou aconteceu naturalmente?

Naturalmente, não. Eu acho que a gente tem obrigação de falar com o jovem. Tem obrigação de evoluir. Temos obrigação de saber cada vez mais. Tudo que eu faço é vendo o que está acontecendo em volta de mim. Eu vejo essa juventude órfã. Vejo uma juventude que precisa de carinho, de amor. Que precisa de tudo. Eu estou colaborando com eles o bocadinho que posso

5. Um exemplo de como seus seguidores mudaram foi o público do seu show no Rock in Rio, um festival tradicionalmente branco. Havia muitas mulheres e mulheres negras, feministas. Você percebe essa mudança?

Percebo completamente. Eu vivo cantando e vigiando o que está acontecendo ao meu redor. Eu vi o público que esteve no Rock in Rio, e isso me deixou muito feliz

6. Este ano você foi tema de desfile da Mocidade no Rio. Como se sentiu desfilando agora como protagonista?

Eu me senti molhada de chuva. Fiquei feliz pelo desfile. Feliz pela consagração. E feliz pelo público. Só tenho a agradecer mais uma vez

Mocidade Independente

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Elza Soares foi homenageada pela Mocidade, agremiação do bairro em que a artista nasceu. Ela desfilou e, antes disso, teve voz ativa para colaborar com a forma como sua história seria contada na Sapucaí

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Homenageada com o enredo "Elza deusa Soares", a cantora desfilou acompanhada de dois médicos

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Detalhe das fantasias de componentes da Mocidade

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Zeca Camargo na concentração da Mocidade

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Mocidade Independente de Padre Miguel na concentração da Sapucaí

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Giovanna Angélica, rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Giovanna Angélica, rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, no desfile do Carnaval 2020

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Giovanna Angélica, rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, no desfile do Carnaval 2020

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Giovanna Angélica, rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, no desfile do Carnaval 2020

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Giovanna Angélica, rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, no desfile do Carnaval 2020

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Comissão de frente da Mocidade trouxe a transformação de Elza Soares em uma mulher forte

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Desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Bruna Santos, primeira porta-bandeira da Mocidade

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Desfile da Mocidade Independente de Padre MiguelDesfile da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Carro abre-alas início da carreira de Elza, após ela ser revelada em um show de talentos

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Desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Fantasai de ala faz refrência a vaca que lambeu Elza em sua infância em Água Santa

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Detalhe de fantasia da Mocidade

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Desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Segundo carro da Mocidade foi dedicado à carreira internacional de Elza

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Desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel

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Ala representou os preconceitos que Elza Soares enfrentou em sua carreira, como a misoginia, o racismo e o elitismo

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Carro da Mocidade chamado "O circo da vida --apanhou à beça mas é dura na queda", usou refrências circenses para falar dos preconceitos que Elza sofreu, como racismo e machismo

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Elza Soares veio á frente do último carro da Mocidade, que trazia uma bandeira com os dizeres "respeita as minas, as monas, as manas"

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Ao UOL, Elza disse ter ficado muito emocionada com o desfile

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Elza Soares no desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel que a homenageou

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Elza Soares no desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel que a homenageou

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Elza Soares no desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel que a homenageou

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7. Você enxerga alguém da nova geração que pode passar para frente o seu legado de música e ativismo? Iza? Ludmilla?

Não estou percebendo nada disso. Eu vejo a mocidade continuando no trabalho. Eu acho que eles sabem o caminho que estão caminhando. Eu não sei nada

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8. O que a palavra "aposentadoria" representa para você?

Nem te respondo. Porque não tenho resposta. Acho que aposentar na música é uma loucura. Você canta até o fim. Eu quero que me deixem cantar até o fim, até o fim, até o fim, até o fim... (sussurra)

9. Você já revelou que costuma tomar sol nua no seu apartamento em Copacabana na quarentena. Como está sendo esse período para você?

Essa pandemia é algo inédito no mundo. E estamos atravessando um momento muito difícil. Difícil e cruel. Temos que ter consciência do que está acontecendo. E eu pego sol nua, sim. Estou pegando aqui na minha sala. E me sinto feliz

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Estou com tanta saudade de vocês... tanta saudade dos meus filhos, dos meus netos, dos meus bisnetos, dos amigos, que vira e mexe deixam minha casa mais alegre. Amo gente, adoro movimento na casa, música, o povo dançando, comendo, vivendo. Hoje foi um domingo de Páscoa difícil, solitário. Daqueles que eu não imaginaria nem nos momentos mais duros da minha vida. É... não está sendo fácil, cara... Mas vem cá. Isso vai passar e a Páscoa é um bom momento para renovar as esperanças, pra renascer, pra gente aprender com Cristo, com tudo que ele nos ensinou, como sua divina ressurreição, independente da religião que você tenha. Uma boa noite de domingo de Páscoa pra você e para toda sua família. #ficaemcasa e logo logo poderemos nos abraçar e abraçar nossas famílias e amigos. : @opedroloureiro
Uma publicação compartilhada por Elza Soares (@elzasoaresoficial) em 12 de Abr, 2020 às 7:06 PDT

Música

Elza Soares: 'George Floyd me machucou, mas só posso sentir e sofrer'

1. Como você se sente completando esse novo ciclo? Quais sonhos ainda espera realizar?

2. Há publicações que registram seu nascimento em 1930, 1933, 1937.... Em que você ano nasceu afinal?

3. O assassinato do George Floyd nos EUA desencadeou a maior onda de protestos contra o racismo em 50 anos. Por que ainda não superamos essa chaga?

4. Nos últimos anos, você lançou ótimos discos, abraçados pela crítica e jovens. Voltar a falar com eles era seu objetivo ou aconteceu naturalmente?

5. Um exemplo de como seus seguidores mudaram foi o público do seu show no Rock in Rio, um festival tradicionalmente branco. Havia muitas mulheres e mulheres negras, feministas. Você percebe essa mudança?

6. Este ano você foi tema de desfile da Mocidade no Rio. Como se sentiu desfilando agora como protagonista?

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7. Você enxerga alguém da nova geração que pode passar para frente o seu legado de música e ativismo? Iza? Ludmilla?

8. O que a palavra "aposentadoria" representa para você?

9. Você já revelou que costuma tomar sol nua no seu apartamento em Copacabana na quarentena. Como está sendo esse período para você?

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