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Como Cantona superou fama de bad boy e se tornou ator de talento

Eric Cantona - Getty Images
Eric Cantona Imagem: Getty Images

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

21/06/2020 04h00

Assinantes desatentos da Netflix —fui um deles— tomaram um susto ao se deparar com a série francesa "Recursos Desumanos". Não bastasse a narrativa social forte, protagonizada por um ex-gerente de RH que perde o emprego e se submete a trabalhos questionáveis (para dizer o mínimo), ela é estrelada por um ator que dá um show de interpretação:

Ninguém menos do que Eric Cantona

Sim! Estamos falando do ex-craque da seleção francesa e do Manchester United, famoso pelos gols improváveis e pelo comportamento explosivo dentro e fora de campo. Quem não se lembra do episódio em que ele foi banido do futebol, depois de agredir um torcedor durante uma partida? Seu currículo de polêmicas é extenso. Mas hoje tudo isso é passado.

Como tudo começou

O namoro de Cantona com o audiovisual começou durante os oito meses em que ficou suspenso do futebol, pouco antes de abandonar definitivamente os gramados, com apenas 30 anos. Seu primeiro papel foi na comédia francesa "Enganar É Viver" (1995), em que interpretou, ao lado irmão Joël, um jogador de rugby. A pequena participação convenceu, e logo ele passaria a ser convidado para outras produções.

Eric Cantona em sua estreia no cinema - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O filme que mudou a carreira

Em 1998, ano em que a França conquistou seu primeiro mundial, Cantona participou da superprodução britânica "Elizabeth", estrelada por Cate Blanchett e grande elenco, indicada a sete Oscars. Na trama, que conta a história de Elizabeth 1ª no século 16, ele vive o diplomata francês Paul de Foix, que tentou negociar o casamento entre a monarca e Henrique 3º da França.

A década de ouro

Contrariando as expectativas mais céticas, Cantona conseguiu se estabelecer como ator e cineasta na década de 2000, conquistando admiração de críticos. Ele dirigiu em 2002 seu primeiro curta, "Apporte-moi ton amour", adaptação de outro "pária", Charles Bukowski. Anos depois, apareceu com destaque no suspense inglês "Jack Says" e na comédia "French Film".

Eric Cantona, Ken Loach e Steve Evets no Festival de Cannes de 2009 - Pascal Le Segretain/Getty Images - Pascal Le Segretain/Getty Images
Imagem: Pascal Le Segretain/Getty Images

Consagração

Mas o filme mais conhecido do ex-craque é "À Procura de Eric", do hoje consagrado Ken Loach, que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes. Estrelado por Eric Bishop (Steve Evets), retrata um carteiro deprimido que cria um melhor amigo imaginário na forma de seu herói do futebol, Eric Cantona. Ele brilha com uma versão sensível e dramatizada de si mesmo.

Homem metamorfose

À esta altura, a imagem de bad boy inconsequente de Cantona já havia sido substituída pela do artista autodidata e reflexivo, atento a questões sociais e políticas —ele nunca escondeu o apoio à esquerda francesa. Fotógrafo ocasional, ainda lançou em 2009 o livro de fotografias "Elle, Lui et les Autre", em apoio à fundação Abbé Pierre, que cuida dos problemas de habitação na França, no qual reuniu imagens de pessoas em moradias precárias.

Eu sempre tento encontrar maneiras de me expressar. Fiz isso primeiro com esportes e sabia que, depois do futebol, tentaria fazê-lo através do desenho, da pintura, da escrita ou da fotografia. É uma necessidade. Se não tenho a oportunidade de me expressar, eu morro

Eric Cantona, em entrevista à "Post Magazine"

Duas recomendações

Ficou curioso com a carreira de Cantona nas artes? Temos duas fortes recomendações recentes, além da série "Recursos Desumanos". Veja o ótimo western dinamarquês "A Salvação", em que ele interpreta um frio executor, e o drama francês "Ulysses & Mona", destaque no Festival de Toronto de 2018 e que mostra Cantona já como protagonista. Ele vive um artista perturbado que decide se isolar no meio da floresta.

Documentários e teatro

E saiba que o talento de Cantona não se resume a filmes. Além de artista plástico, modelo, colecionador de obras de arte e estrela de diversos documentários e campanhas publicitárias, ele também já estrelou uma peça dramática: "Face au Paradis", dirigida em 2010 por sua esposa, Rachida Brakni. Ele encarnou um homem que tem um colapso em um supermercado, envolvido em um diálogo intenso por 90 minutos.

Atuar no palco é mais semelhante ao esporte do que ao cinema, porque você está na frente da plateia e tem conexão com ela. Toda noite é diferente, não é a mesma energia. É muito emocionante.