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Nando Reis virou 'blogueirinho' contador de histórias, e estamos amando

Nando Reis - Carol Siqueira/Divulgação
Nando Reis Imagem: Carol Siqueira/Divulgação

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

16/06/2020 04h00

Nando Reis, 57 anos, tem muito amor para dar. Depois de promover sua terceira live e lançar o EP "Nando Reis e Anavitória Juntos - Ao Vivo" no último Dia dos Namorados, ele só quer saber de estreitar laços com fãs e colher os frutos de suas quase quatro décadas de estrada na música. E como fazer isso nos tempos modernos? Virando "blogueirinho" —ele ama o termo— no YouTube.

Não que Nando tenha mudado ou pretenda trocar de profissão, mas o sucesso de seus vídeos na rede é real. Vários possuem mais de 300 mil visualizações, e ele já possui quase 1 milhão de inscritos. Além de responder a dúvidas frequentes de fãs, o artista vem contando belas histórias por trás de algumas de suas músicas mais famosas. Como por exemplo:

1) 'All Star', imortalizada por Cássia Eller --ele guarda um dos tênis da cantora e revela que sua paixão pela marca vem de um disco do Jethro Tull

2) 'Segundo Sol', que tem origem na fala de uma amiga esotérica e surgiu como um desdém do próprio Nando ao esoterismo

3) 'Cegos do Castelo', clássico dos Titãs que está relacionado a uma grave crise emocional vivida pelo artista nos anos 1990

Curtiu saber de tudo isso? Nós adoramos e aproveitamos tudo isso para bater um papo com Nando sobre sua deliciosa trívia musical. E ele também falou de outras coisas, como suas lives, Porta dos Fundos, pandemia e do amor incondicional que nutre pela sonoridade vintage, a dos LPs e toca-discos que nunca deixou de colecionar. Confira aí embaixo.

Virar youtuber certamente não estava nos seus planos. Como isso tudo começou?

Cara, começou há uns dois anos. Eu tenho um Facebook profissional, e um dia entrei por acaso num negócio chamado 'inbox', que eu nem sabia que existia. Ali vi um monte de gente escrevendo. E por sorte encontrei um camarada dizendo que havia acabado de sair da prova da UFRJ, e havia caído a análise de uma música minha, 'Vou te Encontrar', que fiz com o Paulo Miklos

E qual era a dúvida?

Ele disse que discordava da resposta da prova e queria saber minha opinião. Eu disse que de fato havia um erro, porque a prova colocou uma vírgula que não existia e alterava todo o sentido da letra. O cara printou essa conversa e compartilhou. E aquilo virou uma coisa enorme. Pessoas começaram a me ligar. Foi aí que percebi que a internet era um lugar muito ativo

Mas e o canal? Veio depois, né?

Sim. Na verdade, as pessoas continuaram a perguntar sobre músicas, e alguém me perguntou sobre o All Star da Cássia, que inspirou a letra e eu ainda guardo. Eu respondi. E essa história teve uma super-repercussão. Aí resolvi fazer um vídeo sobre o tênis, que foi um dos primeiros. Comecei a perceber que as pessoas queriam saber essas coisas, e que elas estavam ao meu alcance

Nando Reis exibe os pares de All Star dele e da amiga Cássia Eller - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Os temas são interessantes, e os títulos dos vídeos parecem escolhidos para viralizar. Quem escolhe os assuntos e os títulos?

Escolhemos em conjunto. Eu trabalho com duas pessoas, que editam e produzem. Estou no sítio que tenho em Jaú, e tenho feito muita coisa sozinho. Não tem um "roteiro". É uma coisa espontânea. De improviso. Às vezes sai muito bom, às vezes, não. Mas o fato é que acho que peguei um tom. Já me reconheço ali. Não é forçado

Adoro o episódio em que você revela as cartas que mandava para a Cássia. Você sempre ressaltou a importância que ela tem na sua vida, mas por que que falar dessas cartas?

A gente não trocava correspondência. Só eu mandava. Ela nunca respondia. (risos) Acho que tenho dez, 12 cartas que mandei para ela. Muitas com letras e desenhos. A Eugênia [ex-mulher de Cássia] me devolveu todas quando ela morreu. É algo que acho tão íntimo, tão bonito. Pensei em publicar, mas ninguém se interessou muito. Então descobri uma forma de mostrar às pessoas

Mudando de assunto: como tem sido se adaptar ao formato das lives? Em alguns momentos, você mostra certa hesitação na hora de responder comentários e falar com o público.

Ainda estou aprendendo. São muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. As músicas, as pessoas assistindo e mandando mensagens. Os patrocinadores. É como se eu tivesse que reaprender todo o processo de estar no palco. Só que de uma hora para outra. Tenho melhorado, mas de qualquer forma ali está o meu jeito. Posso fazer cem lives, que ainda vou ficar meio tímido

Sua casa tem um cantinho do som vintage, com toca-disco e outros equipamentos analógicos de alta qualidade, que aparecem nas lives. Você se considera audiófilo?

Isso seria até pedante da minha parte. Obviamente, sou músico e tenho relação com a qualidade de som e os aparelhos. Sou de uma época analógica. Fui criado ouvindo LPs e herdei parte da coleção dos meus pais. Acho que a qualidade do disco também está na possibilidade de ele ser reproduzido em alta qualidade E para isso você precisa de aparelhos de qualidade

Nando Reis - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Alessandra Orofino, diretora do "Greg News", disse que o rock encaretou e deixou de ser território de contestação. Que ele foi deslocado para o humor. Concorda?

Não. Embora haja bastante verdade nessa afirmação. Há uma mudança. Mas acho que as coisas são cíclicas. Em 2017, lancei uma música chamada "Rock 'n' Roll", que falo exatamente sobre esse momento do rock, que tem 8 minutos, mas passou despercebida. Eu não gosto desse tipo de afirmação. Acho muito definitivo e presunçoso

Falando em Gregório, em abril você foi citado em um vídeo do Porta dos Fundos, em que o policial Peçanha (Antonio Tabet) confunde a maconha 'Mango Haze' com Nando Reis. Aprovou a referência?

(risos) Eu já estava aqui no sítio na pandemia. Eu adorei. Eu adoro o Porta dos Fundos, adoro o Porchat. Fiz um vídeo com ele esses dias. Eles são supercriativos e eu sou superfã. Mas, enfim, eu acho que cada arte cumpre sua função e acho que existe uma generalização em dizer isso [que o rock perdeu a característica contestatória do sistema].

A pandemia está em alta no Brasil e crescendo. E cidades estão flexibilizando a quarentena mesmo assim. Cientistas preveem o caos. De quem é a culpa por tudo isso?

Não existe lidar com uma pandemia sem metodologia científica. Sem base na ciência. Assistimos a um monte de delírio escapista, manipulador. Acredito que, se o Brasil seguisse as recomendações da OMS, certamente estaríamos em outra situação. Dificilmente haveria uma maneira pior de conduzir a crise do que a que está sendo usada por aquele 'senhor' [Jair Bolsonaro]