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'Amor Sertanejo' revela segredos por trás da indústria bilionária do gênero

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

29/04/2020 04h00

Gostando ou não de sertanejo, a cada dia fica mais difícil desviar os ouvidos de um modão ou de uma sofrência. No Spotify, sete das dez primeiras músicas mais tocadas no Brasil são classificadas assim. O número é quase o mesmo na Deezer: no top 10, seis canções são do gênero. Por que se ouve tanto sertanejo no Brasil?

Foi em busca dessa resposta que nasceu "Amor Sertanejo", documentário que já está disponível no Now, no iTunes, no Google Play e no Vivo Play. Com participação de artistas, empresários e do estafe que atua para que o ritmo siga em ascensão, o filme mostra como a música caipira se transformou em um grande negócio.

"Fizemos para todo o mundo que tem a mesma curiosidade que a gente tinha: de entender por que o ritmo tomou essa proporção", conta ao UOL Fabrício Bittar, que dirigiu o documentário ao lado de Raphael Erichsen. Foram três anos desde a ideia até a entrega, rodando festas, shows e eventos país afora.

Ex-MTV e conhecido por seu trabalho com Danilo Gentili na comédia "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", o diretor decidiu voltar ao mundo da música para explorar um gênero que tinha pouco ou nenhum espaço no canal que popularizou os clipes no Brasil.

Minha distância do sertanejo fez com que eu fosse esse documentarista curioso, e não falasse do tema de uma forma completamente apaixonada Fabrício Bittar, ex-MTV e diretor de 'Amor Sertanejo'

Tamanha curiosidade revelou dados interessantes e pouco divulgados da indústria que muitas vezes mascara suas artimanhas e faz bilhões por ano só com venda de ingressos de shows. Robôs que burlam o streaming, esquema de vendas de visualizações e um negócio cada vez mais profissional, que garante o sustento de muitas famílias todos os meses.

Se acabar a música sertaneja no Brasil, morre todo o mundo Cuiabano Lima, locutor e apresentador

Sertanejo é um senhorzinho de 90 anos

Talvez você tenha a impressão de que o sertanejo é um fenômeno recente, mas ele tem mais de 90 anos. Tudo começou com Cornélio Pires, em 1929, responsável por gravar o primeiro disco de música caipira da história. Vendeu 25 mil cópias. Quem conta a história é Edvan Antunes, autor do livro "De Caipira a Universitário" e um dos entrevistados no documentário.

"Fio de Cabelo" modernizou o sertanejo

Chitãozinho e Xororó modernizaram o ritmo, e a culpada não é "Evidências". Em 1982 "Fio de Cabelo" alçou a dupla à fama trazendo uma nova sonoridade ao sertanejo, com instrumentos diferentes e banda.

Chitãozinho e Xororó - Divulgação - Divulgação
Chitãozinho e Xororó são entrevistados no documentário 'Amor Sertanejo'
Imagem: Divulgação

Foram eles os primeiros sertanejos a tocar na rádio FM, como lembra o empresário Wilsinho Anastácio. E, quando estouraram, estavam quase desistindo da carreira.

Vocês vão conhecer uma música que não têm costume de ouvir, mas que vai fazer história Xororó, na primeira coletiva de imprensa de Chitãozinho e Xororó, nos anos 1980

Empurrãozinho da pirataria

João Bosco e Vinicius deram início a uma nova onda com "Chora me Liga", lançada em 2009. Seis anos antes, em 2003, João Bosco fazia odontologia e Vinicius, fisioterapia. A primeira apresentação da dupla, que viralizou, rolou no aniversário de um amigo em que eles nem sabiam que estava sendo gravados. O CD pirata começou a rodar as repúblicas do MS e nascia assim o sertanejo universitário.

Nosso primeiro público fiel foram os universitários, antes da rádio, antes de tudo João Bosco, da dupla João Bosco e Vinícius, pioneiros do sertanejo universitário

R$ 100 mil para lançar uma música

Junto com os diplomas veio o público mais elitizado, carrões, festas e investidores. Hoje, para se lançar uma só música, o valor pode chegar a R$ 100 mil. Uma faixa sai por R$ 30 mil a produção, R$ 30 mil um clipe, R$ 20 mil de liberação e R$ 10 mil de mixagem. "Custa de R$ 90 a R$ 100 mil só para deixar um single pronto", calcula o locutor Cuiabano Lima.

Por onde circula o dinheiro

Grandes artistas têm um cachê médio de R$ 100 mil a R$ 150 mil por show. O valor pode chegar a R$ 4 bilhões por ano de arrecadação só de bilheteria. Mas o dinheiro não fica todo na mão dos artistas. "O sertanejo movimenta muita grana e emprega muita gente", explica Gesoaldo Júnior, da Exponeja. Até artistas menores já começam com planejamento de carreira.

Esse pessoal não é artista. Eles caem na mão de empresários que sugam o sangue desses jovens. E, na ilusão do sucesso, veem todo o mundo aplaudindo e continuam nessa vida Tenório Vasconcelos, professor universitário

Jabá nas rádios não é mais tabu

O jabá, aquela graninha para tocar nas rádios, rola solto e já não é mais nem tabu no mercado do sertanejo, sendo usado até como moeda de troca. "O artista que ontem pagou para tocar aqui na rádio hoje volta com status de estrela e recebe cachês altíssimos. Todo o mundo ganha", conta o radialista e locutor Lázaro Santos, conhecido como "Cowboy da Pueira".

Compra de streaming e visualizações

Sorocaba, da dupla Fernando e Sorocaba, e hoje um dos maiores empresários do ramo, também abre o jogo sobre os robôs que trabalham a favor de certos artistas. O documentário mostra que é possível comprar visualizações e plays para colocar as canções no topo dos serviços de streaming, hoje mais populares do que as rádios com o público do sertanejo universitário.

Toma aqui os R$ 2,5 milhões

Uma música pode ser feita por mais de dez pessoas e a tendência da indústria da composição, assunto de que já falamos aqui no UOL, começou com "50 Reais", de Naiara Azevedo. A música, o maior sucesso da carreira da cantora, é o tipo de faixa que pode render até R$ 2,5 milhões em arrecadação para os compositores, revela o documentário.