Série sobre R. Kelly prova que mulheres sofrem em dobro ao revelar abusos
"Sobreviver a R. Kelly: Acerto de Contas" não poderia chegar em melhor hora ao Brasil. Em meio a graves denúncias de estupro envolvendo um popular ex-BBB e o significativo aumento de casos de violência doméstica no período da isolamento social por causa de uma pandemia, a minissérie traz relatos reais de mulheres que foram vítimas de violência sexual nas mãos de um dos maiores ídolos da música norte-americana.
R. Kelly já havia sido desmascarado na primeira parte da série com provas em vídeo e depoimentos de vítimas que chegaram a ser tratados como boatos por décadas. O cantor foi acusado de manter relações sexuais com menores de idade e tratar mulheres como escravas sexuais.
A continuação de "Sobreviver a R. Kelly", que será exibida em cinco episódios a partir de amanhã no canal Lifetime, aborda as consequências após a prisão do astro do R&B, que aconteceu cerca de um mês depois do lançamento da primeira parte da minissérie, no começo do ano passado.
A força de uma história
"Colocamos tudo o que tínhamos de material na parte 1 e achávamos que havia encerrado por aí. Sequer considerávamos uma parte 2", conta ao UOL Jesse Daniels, um dos produtores executivos. Mas o impacto causado pelo documentário e a reação pública fez com que a equipe enxergasse que havia muito mais a contar.
"Nossa história rapidamente viralizou nas redes sociais, foi tema de várias reportagens e vimos que tínhamos muito mais a fazer. Então decidimos engatar a parte 2", completa a também produtora executiva Brie Bryant.
A decisão, porém, não foi tão simples. Tão logo a série em formato documental foi ao ar, a equipe passou a receber uma enxurrada de novos relatos a respeito do cantor.
Segundo os produtores, o serviço telefônico de denúncias de violência contra a mulher nos Estados Unidos teve um aumento de 30% de chamadas após o lançamento da parte 1. Depois da parte 2, que já foi exibida por lá em janeiro deste ano, as denúncias cresceram 40%.
"Para nós foi tudo grandioso e inesperado. Mas temos muito orgulho de que isso tenha se tornado um assunto global, e não só local. Famílias inteiras, grupos de amigos, homens e mulheres passaram a discutir essas questões. Isso é muito impactante", revela Brie.
"O maior presente que poderíamos receber é encorajar mulheres a falarem sobre o abuso e essa é a razão para termos continuado", completa Jesse.
Entre armas e ameaças
Para a continuação de "Sobreviver a R. Kelly", os documentaristas voltaram a falar não só com as vítimas, que eles chamam de sobreviventes, mas também com familiares, amigos, profissionais e especialistas que avaliam uma a uma as situações e reações ao abuso físico e emocional.
E não há só o lado das vítimas, mas também o do próprio cantor. Há entrevistas de dois de seus irmãos, que contam sobre situações de abuso que o cantor sofreu na infância, além de duas ex-funcionárias que defendem R. Kelly.
Entre as sobreviventes que escolheram falar está a cantora Faith Rodgers. Ela chegou a viver um relacionamento curto com o cantor e sofre as consequências até hoje. Após o documentário ser lançado, fotos íntimas dela e de outras mulheres foram divulgadas em uma página anônima do Facebook. E, mesmo com o apoio total da família (seus pais também dão depoimentos), Faith transparece insegurança no relacionamento com eles.
A divulgação das fotos íntimas das vítimas aconteceu logo após o lançamento do documentário, assim como tentativas de chantagem de pessoas que trabalhariam diretamente para R. Kelly. Faith e sua mãe chegaram a ser abordadas por uma mulher e um guarda-costas armado que ofereceram as fotos íntimas em troca do silêncio.
Outra situação de ameaça não só às vítimas, como à equipe, aconteceu no dia da première, em Nova York, quando pessoas armadas nos arredores do cinema em que o evento acontecia com as vítimas reunidas obrigaram todos a esvaziar o edifício.
"Já tínhamos passado por tantas coisas e ser colocados sob ameaça de pessoas armadas na porta do cinema foi a pior. Ficamos por tantos meses contando as histórias daquelas pessoas e quando finalmente pudemos estar todos juntos, eles tiraram aquilo da gente", relembra o produtor Jesse Daniels.
Sacrifício pela verdade
Ele lamenta também a represália às vítimas, não só por parte do cantor e sua equipe, como de uma pequena parcela do público que ainda acredita na inocência de R. Kelly.
"É um sacrifício [para as vítimas]. Você escancara o seu rosto para o mundo e, de repente, seu passado é revirado pelo público, sendo que muitas dessas pessoas ainda estão do lado dele."
Como mulher, Brie Bryant diz entender o lado das vítimas que tentaram colaborar, mas optaram pelo silêncio.
"Muitas sobreviventes colaboraram com a gente, mas também havia gente que não estava se sentindo pronta ainda para sentar na nossa frente e contar suas histórias. E para nós estava tudo bem, pois a jornada de cada uma é diferente."
"Na parte 2 queremos mostrar justamente isso: o que o sacrifício traz. Muitas das sobreviventes receberam ameaças sérias e para algumas delas é muito difícil tocar a vida com tudo o que se encontra sobre elas online. Por isso muitas vítimas decidiram não falar", justifica Jesse.
Ainda assim, cerca de 70 pessoas foram entrevistadas para a continuação de "Surviving R. Kelly", e muitas dessas conversas levaram horas e horas.
Os produtores tomaram o cuidado de selecionar apenas pessoas que tivessem alguma relação concreta com as denúncias, que ganharam o apoio de muitas celebridades, inclusive cantores que já haviam gravado com o astro.
"Queríamos que cada entrevista tivesse um propósito, e não colocar uma celebridade ali apenas para chamar atenção", explica Jesse. R Kelly chegou a ser procurado tanto durante a produção da parte 1, quanto da parte 2, mas preferiu não se pronunciar.
Brie ainda ressalta a importância da colaboração de ativistas do movimento #MeToo, que ajudaram com a pauta e também com o trabalho. "Se não fosse por eles não tenho certeza se o mundo estaria pronto para receber nossas histórias."
Ciente de que as vítimas serão sempre mais questionadas do que uma figura famosa e emblemática como R. Kelly, Jesse Daniels faz um último apelo. "Sugiro que as pessoas que gostam do trabalho dele pelo menos assistam ao documentário para entender a história das sobreviventes e depois façam sua própria escolha."
Serviço
"Sobreviver a R. Kelly: Acerto de Contas"
Onde assistir: canal Lifetime / 1ª temporada também disponível na Netflix
17/4, sexta-feira, 20h55
Episódio 1 - "Ele não parou" - Enquanto o mundo se choca com o lançamento de Sobreviver a R. Kelly, uma ameaça violenta causa estragos no evento de estreia da série.
Episódio 2 - "Mais uma vítima" - Tiffany Hawkins, a primeira vítima a tentar responsabilizar R. Kelly por suas ações, quebra o silêncio após mais de duas décadas, e conta sua história diante das câmeras.
18/4, sábado, 20h55
Episódio 3 - "Avance, por favor" - R. Kelly enfrenta sua primeira rodada de acusações criminais após a exibição de Sobreviver a R. Kelly. E a sobrevivente Jerhonda Pace revela um pacto chocante que ela fez.
Episódio 4 - "Entrevista após o resgate" - R. Kelly é libertado da prisão e concede uma entrevista controversa para Gayle King. Após ser resgatada por sua mãe em Sobreviver a R. Kelly, Dominique Gardner fala para as câmeras pela primeira vez.
18/4, sábado, 20h55
Episódio 5 - "Traga nossas meninas para casa" - Como R. Kelly é levado sob custódia federal sem fiança, as famílias de Joycelyn Savage e Azriel Clary se perguntam se suas filhas voltarão para casa.
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