Em mais de 50 anos de carreira, seja pelo seminal grupo Novos Baianos, ou por seu exitoso trabalho solo, Moraes Moreira, morto na manhã desta segunda-feira (13), deixou sempre visível uma marca que o acompanhou desde a juventude: o amor pelo Carnaval. Impossível pensar na folia que percorre os circuitos de Barra Ondina ou Campo Grande sem imaginar sua voz afinada e sua cabeleira ao vento embalando milhões de foliões pelas ruas da capital baiana.
Nascido em Ituaçu, interior da Bahia, aos 19 anos Moraes mudou-se para a capital, Salvador e logo encantou-se com o Carnaval. Logo emprestaria o seu talento ao mítico trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar, tornando-se um dos primeiros cantores neste formato de folia que começou essencialmente instrumental e que, décadas depois, tomaria de assalto as paradas de sucesso e ruas de todo o Brasil.
Neste momento inicial, em que os blocos afro não tinham ainda a relevância que têm hoje, os trios enveredavam por outros ritmos, sobretudo o frevo, do qual Moraes sempre se disse um fã incondicional. Não à toa, grandes sucessos neste estilo compostos por ele entraram para a história do Carnaval baiano. Um dos mais icônicos, "Pombo Correio", foi composto em cima de "Double Morse", tema instrumental de Dodô e Osmar feito nos anos 1950. Na letra, pitadas de romantismo que remete a antigos Carnavais.
"Vassourinha Elétrica", gravado em 1980, relata o impacto da chegada a Salvador do bloco de frevo pernambucano "Vassourinhas" no período pré-Carnaval de 30 anos antes. O sucesso da apresentação dos pernambucanos foi o marco inicial da verdadeira ocupação das ruas pelo povão e influência nítida para o surgimento da então "fubica" de Dodô e Osmar.
Outro grande sucesso, "Bloco do Prazer", em parceria com Fausto Nilo e lançado em 1979, foi um dos hinos do Carnaval daquele ano e viria, logo depois, a ser gravado por Gal Costa. "Chame Gente", de 1985, é um dos hinos do Carnaval baiano até hoje e deu nome a seu trio elétrico.
Nos anos 1990, com o auge da axé music, Moraes Moreira demonstrou todo o seu desagrado com a excessiva comercialização do Carnaval baiano e, por alguns anos, preferiu se apresentar na folia do Recife. Seu retorno se deu em 2000, quando, motivado pela comemoração dos 50 anos da invenção do trio elétrico por Dodô e Osmar, comandou um bloco extremamente democrático, sem cordas e sem abadás. Em entrevista para a Folha de S.Paulo à época, afirmou:
Preferi não comercializar abadás. Respeito quem faz isso, mas o povo da Bahia não pode ficar sem trio, o Carnaval é uma festa para o povo, não para as elites.
Definitivamente reconciliado com a folia baiana, Moraes Moreira seguiu sua trajetória como figura indispensável nos quatro dias de festa. Em seus álbuns e shows, canções carnavalescas eram obrigatórias e, não raramente, seus mais inspirados momentos.
No último Carnaval, comemorou os 70 anos do trio elétrico com um show na Praça Castro Alves. Em cima de um pranchão, cantou bem perto do povo, do jeito que sempre se sentiu à vontade.
* Anderson Baltar é jornalista e radialista, especializado em Carnaval e samba
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