Favelado do horário nobre, MC Cabelinho alerta sobre coronavírus nos morros
Sempre sobra pra gente.
Fora da comunidade onde nasceu e cresceu por uma questão logística, MC Cabelinho ainda fala em primeira pessoa ao comentar a situação da favela em meio à pandemia do coronavírus. "Converso com os meus amigos lá do morro todos os dias sobre isso. Meu DJ mora lá ainda. Eles falam que todo mundo está se cuidando. Mas a verdade é que a gente tenta, né, cara."
Cria do complexo Pavão-Pavãozinho e Cantagalo (PPG), no Rio de Janeiro, o MC ganhou ainda mais destaque com seu primeiro papel na TV, o traficante Farula na novela "Amor de Mãe", que também teve de ser paralisada por causa da epidemia. Um problema pequeno perto da falta de estrutura que amigos e familiares estão enfrentando neste momento.
Enquanto conversa com a reportagem do UOL para divulgar seu novo trabalho, a romântica música "Química", o cantor que se autointitula o "favelado em horário nobre" chama a atenção para a realidade que não se resolve com água e sabão, muito menos álcool-gel.
"Tá faltando água na favela. Isso é escroto pra c*. Por que só pra favela tem que faltar água? Isso causa revolta. Para se prevenir do Covid-19 precisa de higiene. Como é que lava a mão, toma banho, lava as coisas dentro de casa sem água?", questiona Cabelinho, apontando um problema recorrente das comunidades brasileiras.
Não bastasse a falta do básico, as famílias também encontram barreiras para o isolamento social, principal recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) para evitar que o vírus se espalhe.
Tem lugar que vive pai, mãe e mais 3, 4, 5 crianças dentro de casa. Eu acho isso uma covardia. O governo tem que olhar para o país todo nesse momento de tragédia. Pô, não esquece da favela. Sempre sobra pra gente.
MC Cabelinho não está sozinho, muito menos precipitado em sua revolta. Moradores de diversas comunidades do Rio de Janeiro relatam a falta de água e saneamento básico como uma grande barreira no combate ao coronavírus. Além, claro, da dificuldade de trabalhar na informalidade. Sem renda fixa, a população se vê obrigada a sair de casa para garantir o básico.
Exclusão social
É para isso que chama a atenção Orochi. O rapper de 24 anos é natural de São Gonçalo (RJ), e fala sobre o privilégio de poder fazer o isolamento social graças ao seu trabalho, que trouxe milhões de seguidores nas redes sociais e o transformou em uma celebridade no meio do rap.
"Hoje eu moro numa casa que tem estúdio, piscina, é tranquilo. Sou a favor do isolamento social, mas a gente precisa se colocar no lugar de uma pessoa que mora numa casa que só tem um cômodo. Numa quitinete é difícil ficar assim, isolado. Você vai querer sair. Infelizmente a culpa é do sistema. Mais uma vez."
Em seu som mais recente, "Nova Colônia", o rapper já denunciava a exclusão dessa parcela da população. "Eu canto muito a vivência, a realidade. Na minha música faço um questionamento sobre diversos vírus sociais", justifica.
Menos um favelado. Mais uma mãe que chora. Mais um preto morre trabalhando. Mais um preto morre indo pra escola. Me diz quanto vale um preto morto. Menos que um gol na Copa
Trecho de Nova Colônia, música de Orochi
Brasília também tem favela
Embora Rio de Janeiro e São Paulo registrem os números mais expressivos de casos de coronavírus, outros lugares do Brasil também já sofrem com a pandemia. O rapper Hungria, de Brasília, um dos principais representantes do gênero na atualidade, relembra suas origens humildes no entorno da capital do país.
"As pessoas têm a impressão que Brasília não tem favela. Tem favela sim. Claro que não na mesma proporção e dimensão como São Paulo e Rio, mas as situações são bastante semelhantes. Pelo fato da violência, das poucas oportunidades para os jovens, da estrutura ruim, moradias ruins."
Prestes a lançar o single "Made in Favela", que exalta a superação e as conquistas do moleque que saiu da comunidade, Hungria tenta trazer um olhar mais positivo para a crise.
"Tenho contato com pessoas que conheci quando ainda era moleque e não está fácil para ninguém. Mas estou confiante que vai passar logo. A gente tem que se conter, passar por esse momento de cabeça erguida, e fazer muita oração para que o país saia logo dessa."
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