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O que aprendi assistindo a 23 aulas online de composição com Lucas Silveira

Lucas Silveira em estúdio - Reprodução
Lucas Silveira em estúdio Imagem: Reprodução

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

01/04/2020 04h00

Amo música, tenho noção de teoria e já toquei em uma banda —era um baixista medíocre—, mas nunca em mais de três décadas de existência fui capaz de compor uma música, com início, meio e fim, seja por falta de inspiração ou mera vontade. Invejo quem consegue. E talvez por isso o curso online lançado por Lucas Silveira, o Lucas da banda Fresno, disponível no site Universidade Invisível, tenha me chamado atenção logo de saída.

O título: "Inspiração e Composição". A ementa: "Nesse curso, o Lucas vai te ensinar como ser um compositor profissional, podendo ganhar dinheiro com sua música, mas principalmente como criar letras e canções que toquem as pessoas e façam com que elas se tornem suas maiores divulgadoras". Achei promissor. Segundo o site, as aulas "únicas no Brasil" foram pensadas para qualquer pessoa que tenha interesse em composição e música em geral, bem o meu caso.

Como estou de quarenta, trabalhando em home office, resolvi topar o desafio e desembolsar R$ 197 (preço promocional) para mergulhar em 5 horas de conteúdo divididas em 23 aulas. São seis módulos de duração variada com dois bônus. Nada de prova, partitura, lousa ou de alunos fazendo perguntas aleatórias. Lucas senta na cadeira do estúdio e bate um papo sincero sobre o que aprendeu em 20 anos como compositor, cantor, produtor, arranjador e ícone do emo nacional.

Lucas Silveira - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Como eu fiz

Sei que fiz errado. Criado por Lucas e o produtor Marco Lafico, o curso foi feito para ser assimilado aos poucos, de preferência com um vídeo assistido por semana, mas, ansioso que sou —juro que tenho boas características na minha personalidade—, resolvi maratonar e fiz tudo em cinco dias, o que provavelmente comprometeu o aprendizado.

Como é o professor

É um professor descoladão, que compensa eventuais faltas de objetividade —alguns vídeos passam de meia hora— com carisma e reflexões interessantes. Ele dá voltas para nos convencer de que a força criativa está em você e que é preciso trabalhar constantemente sua mente para que ela se manifeste com regularidade. E ele não está errado.

A didática de Lucas

Consiste na ideia de que não há fórmula mágica para fazer um bom pop, rock ou até sertanejo, mas você pode seguir padrões. Não há material didático. Lucas dá só alguns exercícios simples, entre eles escrever no papel o tema das músicas que amamos —pasme, nem sempre é tão fácil assim. O resto flui na base da conversa e com algumas intervenções ao violão.

Cinco coisas que aprendi com o curso

  1. Todos, sem exceção, somos compositores em potencial e nos esquecemos disso --crianças, por exemplo, escrevem músicas o tempo inteiro brincando com melodias. A inspiração pode ser aprendida.
  2. A inspiração está no cotidiano. Para você se inspirar, saia de casa, conviva e viva sua vida em vez de só existir --mas faça isso depois da quarentena.
  3. Ninguém escreve uma música (instrumental incluído) de sucesso, mas descreve alguma coisa: uma situação, um sentimento, uma ideia.
  4. A melhor música é a que consegue ser mais clara e pessoal em um curto período de tempo. "Encher linguiça" é um erro.
  5. Na composição, "crie expectativas" a partir variações sonoras, fugindo de repetições e deixando o ápice --a "moral da história" da música, que pode um refrão, riff, um verso grandioso-- para o fim.

Primeira cereja no bolo: referências

Para se aproximar do aluno e quebrar a frieza da aula online, Lucas faz citações ao universo pop. No módulo "A Jornada do Herói", em que explica como aplicar na música o conceito do autor americano Joseph Campbell, ele faz comparações que vão de "Star Wars" a "Indiana Jones", de "Esqueceram de Mim" a "Sonic", de "Dragon Ball" a qualquer filme que você tenha visto e amado. No aula inaugural, ainda promete nos transformar em uma espécie de Super Saiyajin das composições.

Lucas Silveira - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Segunda cereja do bolo: frases

Lucas se revela um frasista de mão cheia nos trazendo ensinamento valiosos e às vezes involuntariamente engraçados.

O pessoal costuma falar em bloqueio criativo, como se fosse uma coisa que existe (...) Talvez o bloqueio esteja acontecendo na sua vida."

Ou seja, já pensou que o erro pode ser você?

Visualizo a música como se fosse uma casa, e eu estivesse entrando abrindo portas, e cada porta levando a uma sala."

Ou seja, o músico às vezes é como um corretor de imóvel: você precisa levar as pessoas ao lugar certo durante a composição.

Música é doação de energia, mas não vou dar uma de pilha Duracell. Vou dosar a energia."

Os Ramones já provaram que nem sempre funciona assim, mas combater a mesmice não deixa de ser salutar.

Maior sabedoria é saber que a gente não sabe de tudo."

Na mosca. Humildade é bom e nunca é demais.

Lucas Silveira - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Mas, espera aí, quem é Lucas Silveira?

Talvez você, leitor contumaz do UOL, esteja se perguntando quem é Lucas Silveira e o que já fez de relevante para querer ensinar alguém. Bem, ele já produziu muita coisa. Além de liderar a banda gaúcha Fresno, que tem oito discos de estúdio, o artista coleciona projetos paralelos, prêmios no currículo, experiência no ramo publicitário e composições feitas para Skank, Capital Inicial e RPM, sem mencionar produções para várias outras bandas. Talvez você não as conheça, mas isso não importa.

Resumindo, vale a pena cursar 'Inspiração e Composição'?

Vale. O curso inova propondo uma metodologia de composição musical, simples e acessível. Essa metodologia é clara? Nem sempre, o que deixa o curso mais adequado a quem já compõe e tem dificuldades em concluir músicas e ideias. Rola uma pegada de autoajuda capaz de afastar quem rejeita discursos inspiracionais? Com certeza. Mas veja que as aulas não são caras (a primeira é grátis), a didática funciona (mas tenha um caderninho para anotações) e, com calma, o curso pode servir como uma válida reciclagem para músicos iniciantes em tempos de quarentena.

Dá para fazer uma música no fim?

Dá. A chance é maior se você já tiver experiência. Na pior das hipóteses, sairá com mais conteúdo e entendendo melhor como uma música pode ser criada e construída, antes e dentro do estúdio, desde a primeira ideia até a estrutura de arranjo, mesmo se você não conseguir compor nada ao fim de sua jornada, como foi o caso deste escriba. Se não tiver nenhuma série para colocar em dia, também dá para assistir tudo de novo.