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Em Berlim, filmes mostram cara inclusiva e diversificada do Brasil

Cena do filme "Meu nome é Bagdá", que participou do 70º Festival de Berlim - Imagem/Divulgação
Cena do filme "Meu nome é Bagdá", que participou do 70º Festival de Berlim Imagem: Imagem/Divulgação

Mariane Morisawa

Colaboração para o UOL, em Berlim (Alemanha)

29/02/2020 17h32

Com sua participação recorde no 70º Festival de Berlim, que se encerra amanhã, o Brasil mostrou sua cara —e ela é jovem, cheia de atitude, diversificada, inclusiva e representativa de mulheres, dos homossexuais, das pessoas trans, dos imigrantes, dos negros.

Houve muito sangue novo. Fernando Segtowick estreia na direção de longas (com o documentário "O Reflexo do Lago"), Matias Mariani ("Cidade Pássaro) e Daniel Nolasco ("Vento Seco") fazem seu primeiro longa de ficção e Caru Alves de Souza ("Meu Nome É Bagdá") e Gil Baroni ("Alice Junior") lançam seu segundo filme. Mas também houve espaço para veteranos como Karim Aïnouz (com o documentário "Nardjes A.").

Um dos destaques foram os filmes com protagonistas femininas que não temem dizer o que pensam nem confrontar os homens. "Meu Nome é Bagdá" ganhou o Grande Prêmio do júri internacional da mostra Gerações 14 Plus com a história da personagem do título, interpretada por Grace Orsato, uma skatista da Freguesia do Ó, em São Paulo, que não se encaixa no modelo de uma adolescente de 17 anos.

Na rua, ela convive majoritariamente com garotos. Mas tem laços fortes com mulheres: a mãe, Micheline (Karina Buhr), as duas irmãs, Gilda (Paulette Pink), uma mulher trans que é dona do salão de beleza do local, e Gladys (Gilda Nomacce), proprietária do bar. É um filme fluido, com personagens fortes, mais de relacionamentos do que de trama.

O delicado "Irmã" também tem foco na relação entre mulheres, no caso, as irmãs Ana (Maria Galant) e Julia (Anaís Grala Wegner). Os diretores Luciana Mazeto e Vinícius Lopes mostram a viagem das duas em busca do pai ausente com lirismo e elementos de fantasia e ficção científica.

Em "Alice Junior", a personagem do título, uma youtuber adolescente e trans (Anne Celestino Mota) muda-se do Recife para o interior do Paraná. Em princípio, ela tem dificuldades de se adaptar e sofre preconceito. Mas o filme também fala sobre sororidade e união dos que são diferentes. Leve e pop, foi feito para conquistar a nova geração.

Mesmo não se passando no Brasil, o documentário "Nardjes A." também fala sobre uma mulher cheia de opinião. Nardjes é uma jovem argelina que participa dos protestos pela democracia em seu país, cuja energia foi captada pelo celular de Karim Aïnouz em imagens vibrantes.

Já os diretores Fernando Segtowick, Matias Mariani e Daniel Nolasco apresentam faces pouco conhecidas do Brasil.

No belo documentário "O Reflexo do Lago", o paraense Fernando Segtowick oferece um olhar local da população ribeirinha do reservatório da gigantesca hidrelétrica de Tucuruí. Em preto e branco, com tempos largos que replicam a experiência no lugar, expõe sem alarde o impacto de tal construção, durante os anos 1980, e aponta para o tipo de exploração a que a Amazônia foi submetida.

O paulista Matias Mariani mostra a relação complicada entre São Paulo, uma cidade de imigrantes, e os novos moradores vindos da África por meio da história de Amadi (O.C. Ukeje), que viaja da Nigéria ao Brasil para procurar o irmão Ikenna (Chukwudi Iwuji), perdido na metrópole. O diretor filma São Paulo como uma cidade de ficção científica e, ainda que se perca na variedade de assuntos - até equações matemáticas -, exibe um lado pouco conhecido de São Paulo.

No intenso "Vento Seco", o diretor Daniel Nolasco vai à sua cidade natal em Goiás para derrubar mitos sobre a vivência LGBTQ. Com visual ousado que presta homenagem a artistas que abordaram a temática, como Al Parker e Tom of Finland, o filme evita os clichês e não se acanha em mostrar sexo explícito entre homens, algo ainda raro no cinema brasileiro.

A produção brasileira no Festival de Berlim é prova da vitalidade do cinema brasileiro, construída ao longo de anos, e oferece vozes fortes e particulares da realidade brasileira.