Baterista do Rush, Neil Peart se perdeu em viagem de moto pelo Brasil
Além da música, Neil Peart —baterista do Rush morto nesta sexta-feira, aos 67 anos, vítima de um câncer no cérebro— também amava viajar de moto. Durante a última passagem da banda canadense pela América Latina, em 2010, quando se apresentaram em São Paulo e no Rio, o músico aproveitou quatro dias de folga entre os shows para fazer o traslado entre as cidades onde a banda tocaria em cima de sua motocicleta. Em sua BMW R1200 GS, Neil saiu do Brasil e pilotou até Argentina e Chile. Naquela turnê, o Rush se apresentou também em Buenos Aires e Santiago.
Apesar de usarem GPS, Peart e seu companheiro naquela empreitada, Brutus, erraram o caminho e foram parar Itapiranga, no extremo-Oeste de Santa Catarina. Depois da confusão, a dupla decidiu voltar ao analógico e adotou mapas em papel, onde anotaram os nomes dos vilarejos próximos —e tentaram reproduzir, em português, aos passantes a quem pediam informações.
A aventura, que levou seis meses de planejamento, foi narrada pelo próprio Peart em seu site pessoal, num texto longo e repleto de reflexões sobre a vida, intitulado A Força do Pensamento Positivo, em tradução livre. Em seu relato, o músico contou que aquela fora a primeira vez em que conjugou seu hobby com sua profissão.
"Na van do aeroporto para o primeiro hotel, em Campinas, perto de São Paulo, sendo conduzido (e escoltado) ao longo de uma estrada escura, eu senti um pouco de medo. Depois do primeiro show, em São Paulo, quando Brutus e eu começamos a viajar, parecia que eu tinha um nó no estômago, e eu carreguei essa ansiedade comigo por todo o caminho. Houve muitas vezes que eu pensei 'essa foi uma má ideia'", contou o músico.
Em seu relato, Peart conta que enfrentou resistência de familiares e membros da equipe da banda, que temiam "ladrões, assaltantes e sequestradores" pelo caminho. Já Alex Lifeson e Geddy Lee, seus companheiros de palco, evitaram expressar sua opinião. "Meus colegas de banda, Alex e Geddy, devem ter tido suas reservas, mas sabiamente deixaram de falar (eles sabem que posso ser incrivelmente teimoso, talvez especialmente quando estou próximo de me agarrar a uma má idéia)", narrou.
Peart, que ao lado de Brutus já havia viajado de moto pelo Ártico Canadense, em torno do México, da Europa ao Norte de África, e à beira do Saara, contou que viveu várias situações inesperadas em suas aventuras. Só que, como aquela era a primeira vez que tinha compromissos marcados com a banda, e as coisas não poderiam dar errado. Qualquer atraso poderia impactar na realização dos shows.
Durante o início da jornada, Peart observou que havia mais caminhões que carros nas estradas brasileiras ("os motoristas pareciam bons"), destacou a grande quantidade de pedágios ("passamos por 15 em apenas um dia de viagem") e aproveitou as paradas para experimentar caipirinha.
Porém, ele e Brutus, que passaram por cidades como Petrópolis (RJ), Campinas (SP) e Curitiba (PR), se perdeu "horrivelmente" no Sul do país. Por uma falha no GPS, os dois se embrenharam por estradas de terra onde "não havia nenhuma cidade, nenhum sinal, nada para passar, e não havia pessoas a pedir informação". Sim, eles estavam perdidos. "O nó no estômago foi crescendo, e eu disse a mim mesmo, mais ou menos nestas palavras: 'estamos fodidos'", relembrou, frisando que os mapas em papel que haviam levado de nada serviam num cenário como aquele.
"Mesmo quando encontramos o caminho para a estrada pavimentada, estávamos confusos, pensando que ainda tínhamos que ir mais para Oeste ao longo do rio. Então nós fomos assim, seguindo uma deliciosa estrada sinuosa de duas pistas ao longo de um cume com vista para os vales verdes de florestas e terras agrícolas, tendo apenas alguns caminhões ocasionais para ultrapassar. Nós não percebemos que ainda estávamos muito perdidos, por isso aproveitamos aquele lindo passeio de fim de tarde. O Rio Uruguai ocasionalmente aparecia à distância ao sul, exatamente onde deveria estar", relatou.
Eles foram salvos, claro, por placas. "Enquanto seguíamos para uma pequena cidade chamada Itapiranga [município mais ocidental do Estado de Santa Catarina], o asfalto da estrada de repente acabou mais uma vez, com as árvores fazendo uma sombra escura. Paramos e abrimos o mapa novamente. Agora que sabíamos onde estávamos exatamente, pudemos ver o quanto estávamos perdidos. Havíamos perdido a entrada para a ponte algumas horas antes, e agora estávamos no canto mais distante do Brasil". A dupla então decidiu se hospedar no pequeno e "absolutamente agradável" Hotel Mauá, na cidade catarinense de 13 mil habitantes (na época).
Durante o jantar, Peart pediu ao garçom que anotasse o nome das bandas que tocavam no som do restaurante, onde ele e Brutus descobriram que uma balsa ajudaria os dois a cruzar o rio sem ter que fazer todo o caminho de volta até chegar a São Borja, no Rio Grande do Sul, a 370km dali. Com mais alguns percalços, Peart e Brutus conseguiram atravessar a fronteira do Brasil com a Argentina e o Rush pôde seguir turnê.
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