Daniela Mercury canta "contra censura e mordaças" em seu novo álbum
Resumo da notícia
- Daniela Mercury lança hoje o álbum Perfume, reunindo 15 músicas -- cinco delas inéditas -- que fazem "declaração de amor ao povo brasileiro"
- A coletânea tem versão samba-raggae de Imagine, de John Lennon, e Proibido o Carnaval, parceria com Caetano Veloso carregada de críticas a Bolsonaro
- "A arte é uma ferramenta libertária, capaz de humanizar os discursos discriminatórios que têm sido cotidianos no Brasil", disse, em entrevista ao UOL
- Ela falou, ainda, sobre ter aberto as portas para Alice Braga, Camila Pitamga e Nanda Costa ao assumir o relacionamento com Malu Verçosa há sete anos
Em comemoração aos 35 anos do axé, Daniela Mercury lança hoje o álbum Perfume, reunindo 15 músicas —cinco delas inéditas— que, segundo a própria, são uma declaração de amor ao povo brasileiro.
"É como se eu fosse uma benzedeira e estivesse trazendo, com o álbum, alfazema para lembrar que somos fortes e capazes de enfrentar aquilo que não é positivo para o Brasil", disse, em entrevista ao UOL.
Entre as músicas já conhecidas do público, Perfume tem uma versão samba-raggae de Imagine, de John Lennon; Duas Leoas, que canta com a mulher, Malu Verçosa; e Proibido o Carnaval, parceria com Caetano Veloso lançada há um ano e carregada de críticas ao governo de Jair Bolsonaro.
Em entrevista por telefone na véspera do lançamento, Daniela, que acaba de voltar de uma turnê por dez cidades dos Estados Unidos e arrancou elogios de Madonna, fala sobre o álbum mas, principalmente, sobre o papel da arte em tempos de censura e sua atuação enquanto "mulher, nordestina e parte da comunidade LGBT".
O álbum reúne Imagine, que tem quase 50 anos, e Proibido o Carnaval, lançada há um ano, além de músicas inéditas. O que essas canções têm em comum e por que resgatá-las em 2020?
Desde criança eu fui educada por canções de Chico Buarque, Beto Guedes, Milton Nascimento, que falam dos desejos para o país. É isso que a gente precisa agora: canções que sejam afirmativas, que nos levem para onde queremos enquanto país.
Imagine emociona todo mundo, transporta a gente para um imaginário de paz. Todo ano a gente tem uma razão para cantar Imagine, mas agora, especialmente, o mundo não está como no sonho de John Lennon. As religiões ainda estão misturadas com o governo, as fronteiras ainda estão fechadas e desejos de muros continuam existindo. Estamos vivendo uma situação limite na crise climática e o início de um conflito seríssimo entre Irã e Estados Unidos.
E Proibido o Carnaval continua mais atual do que nunca, fala contra a censura, as mordaças, é uma crítica contra esse autoritarismo que está muito presente no governo e na sociedade. Essa música mostra que existe um contraste entre o que está no governo e o que pensa o povo brasileiro. Nós, brasileiros, somos maiores que qualquer gestão momentânea. Mas, querendo ou não, esta é uma gestão democrática, temos que lidar com ela.
Você acredita que a música pode ajudar a lidar com o atual momento sócio-político do país?
A arte é uma ferramenta libertária, sem dúvidas, capaz de humanizar todos esses discursos discriminatórios, de ataque às minorias, que têm sido cotidianos no Brasil. Uma mulher, nordestina e parte da comunidade LGBT cantar em grandes palcos pelo mundo, é afirmativo.
Perfume é uma bênção, uma declaração de amor ao povo brasileiro. É como se eu, com esse álbum, fosse uma benzedeira e estivesse trazendo alfazema para garantir energia boa e lembrar que somos fortes e capazes de confrontar os atrasos, aquilo que não é positivo para o Brasil.
Em 2019 você teve grandes vitórias fora dos palcos, no cenário jurídico: venceu o processo contra o deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), comemorou a criminalização da LGBTfobia pelo STF e participou de audiência no MPT por direitos LGBT. Acredita que a Justiça é, como a arte, uma ferramenta para mudar o país?
Com certeza. Nós temos todo o mundo civilizado do nosso lado, os Direitos Humanos e a Constituição também. Não temos que nos amedrontar, não podemos vacilar. Discriminação e discurso de ódio são ervas daninhas, é preciso cortá-las sem dó. Ter vencido o processo contra o deputado passa uma mensagem de que a democracia está viva, de que temos as leis e de que precisamos usá-las. O que não podemos é nos deixar inibir por conta de ataques.
Neste último ano pelo menos três atrizes do alto escalão da TV revelaram ter relacionamentos homossexuais após um longo período de namoro longe das câmeras [caso de Camila Pitanga, Alice Braga e Vitória Strada, em 2019, e Nanda Costa, em 2018], mais ou menos como você e Malu fizeram há alguns anos. O que mudou de lá para cá?
Quando um fala, liberta todo mundo. Eu e Malu falamos sobre isso em 2013 e modificamos completamente o contexto. Fizemos as pessoas enxergarem que era possível falar de um relacionamento gay sem prejudicar a carreira artística. Óbvio que isso tem consequências, afinal, vivemos em um mundo em que a LGBTfobia está incutida, é complexa e difícil de vencer. É a mesma coisa que acontece com o racismo e o machismo: não vão ser vencidos da noite para o dia mas é necessário enfrentar.
Eu e Malu pudemos assumir nosso relacionamento graças à conquista de muitas gerações de LGBTs antes de nós. Eu jamais poderia ter feito isso lá nos anos 1970.
Você acredita que você e Malu, de certa forma, abriram as portas para a geração que está levantando hoje essa bandeira?
Sem dúvidas. Nós e todos que falaram abertamente sobre isso, desde a Ellen DeGeneres, nos Estados Unidos, até Ney Matogrosso, aqui no Brasil, Rogéria, Adriana Calcanhoto, Ana Carolina...
Quando você fala abertamente da sua vida particular, gera curiosidade e, muitas vezes, acaba se tornando maior do que seu trabalho. Portanto, vejo como um ato de generosidade delas com a comunidade LGBT abrir esse assunto. É um ato político em um Brasil como o nosso.
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