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The Crown: o que é real e o que é ficção na terceira temporada da série

Imagem da terceira temporada de The Crown - Divulgação: Netflix
Imagem da terceira temporada de The Crown Imagem: Divulgação: Netflix

Leonardo Rodrigues e Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

27/11/2019 04h00

Sucesso de crítica e público na Netflix, a série The Crown estreou sua aguardada terceira temporada traçando uma nova fase da vida da rainha Elizabeth 2ª, agora mais madura, interpretada por Olivia Colman: o atribulado período entre os anos de 1964 e 1977.

Na vida real e na série, essa foi uma era de inúmeras crises no Estado e na coroa, quando a rainha precisou aprimorar suas habilidades políticas e diplomáticas. Tudo isso é mostrado com fidelidade pela série, mas, como é praxe na ficção, nem tudo ali é 100% literal.

Veja abaixo o que é historicamente verdadeiro e o que foi dramatizado em cada episódio da nova temporada de The Crown.

#1 Olding

Houve, sim, um espião no Palácio de Buckingham

O ator Samuel West, que vive Anthony Blunt en The Crown - Reprodução - Reprodução
O ator Samuel West, que vive Anthony Blunt en The Crown
Imagem: Reprodução

O primeiro episódio da terceira temporada apresenta Anthony Blunt (Samuel West), o curador de arte da família real que atuou como espião da KGB passando informações sigilosas aos líderes soviéticos. Ele era professor e um dos mais renomados estudiosos da pintura europeia do século 18, fazendo parte do chamado Cambridge Five, grupo com membros do topo da hierarquia dos serviços secretos do Reino Unido que atuou dos anos 1930 aos 1950. Isso é real e está em The Crown.

A série também mostra que, após ser delatado, ele confessou a atuação ao serviço de inteligência britânico, o MI5, que lhe concedeu imunidade. O caso só foi revelado pelas autoridades no fim dos anos 1970. Os 15 anos de silêncio são interpretados por biógrafos tanto como uma forma de despistar os russos quanto de poupar a reputação da MI5, que demorou demais para chegar até a verdade. A série, no entanto, vai além da realidade mostrando que Blunt chantageou o príncipe Philip afirmando saber de retratos que provavam o envolvimento dele em um escândalo sexual, e com implicações políticas.

#2 Margaretologia

Margareth causou nos EUA, mas não beijou Lyndon Johnson

Helena Bonham Carter, que interpreta a princesa Margaret, irmão de Elizabeth - Reprodução - Reprodução
Helena Bonham Carter, que interpreta a princesa Margaret, irmão de Elizabeth
Imagem: Reprodução

O episódio acompanha a visita real da princesa Margaret aos Estados Unidos em 1965, com direito a jantar na Casa Branca com o presidente Lyndon Johnson. A missão tinha como objetivo persuadir o líder americano a conceder um empréstimo que salvaria a economia britânica em crise, impedindo a desvalorização da libra esterlina. Na série, a rainha convida Johnson para um fim de semana no Castelo de Balmoral, na Escócia, mas o convite é recusado. Não há indícios de que isso tenha acontecido, indicam historiadores.

A viagem, como mostrada na série, realmente causou furor nos EUA. Imprensa e parte do público se encantou com a personalidade expansiva da princesa, mas não houve apenas notícias positivas. A febre da "margaretologia" existiu, mas a irmã de Elizabeth também foi criticada por seu comportamento perdulário e festeiro. A série mostra que, na festa a que compareceu com o marido na Casa Branca, regada a álcool, cantoria e música, ela chegou a trocar um selinho com Lyndon Johnson, o que teria causado furor caso tivesse acontecido. Também não há indícios sólidos de que a visita tenha influenciado na ajuda financeira aprovada pelos EUA no ano seguinte.

#3 Aberfan

Demora em visitar desastre foi um dos maiores arrependimentos de Elizabeth

Elizabeth 2ª visita vilarejo galês de Aberfan, onde aconteceu desastre em mina de carvão - Reprodução - Reprodução
Elizabeth 2ª visita vilarejo galês de Aberfan, onde aconteceu desastre em mina de carvão
Imagem: Reprodução

O desastre de Aberfan, como ficou conhecido o deslizamento em uma mina de carvão no País de Gales em 21 de outubro de 1966, é retratado com bastante fidelidade pela produção de The Crown, que pesquisou a fundo o episódio e buscou ajuda com sobreviventes. Tudo é muito realístico. Vinte e oito adultos e 116 crianças morreram, com professores se sacrificando para tentar proteger alunos da avalanche de terra.

Tal como em The Crown, a rainha não visitou o local da tragédia de início, preferindo enviar o príncipe Philip para examinar danos e representar a família real. Ela só chegou a Gales oito dias depois, e a série é correta retratando este é um dos grandes arrependimentos de Elizabeth como rainha. Segundo a biografia Monarch: The Life and Reign of Elizabeth, de Robert Lacey, ela considerava gestos como visitar locais de desastre exagerados, já que há pouco o que se fazer nesses momentos.

#4 Bubbikins

Família real realmente gravou documentário engavetado, mas jornalista é fictício

The Crown mostra gravação de documentário que acabou engavetado pela família real - Reprodução - Reprodução
The Crown mostra gravação de documentário que acabou engavetado pela família real
Imagem: Reprodução

O episódio traz a família real estrelando um documentário em 1969 que acabou engavetado pela coroa, e isso de fato ocorreu. O filme foi ao ar pela BBC e pela ITV, em um esforço da coroa para tentar humanizar a família real. Na época, crescia o movimento antimonarquista. O documentário foi um sucesso de audiência, sintonizado por três quartos da televisões do Reino Unido, mas a Elizabeth odiou o resultado e a repercussão. Jornalistas viram no dia a dia da família um exemplo clássico do comportamento de ricos alienados e distantes da realidade do povo.

Para reforçar essa ideia, a série cria um personagem fictício, o jornalista John Armstrong, que representa a linha editorial crítica do jornal The Guardian. O doc foi exibido pela última vez em 1972, para celebrar 20 anos de reinado, e desde então virou "lenda". Trechos foram disponibilizados durante o Jubileu de Diamante da Rainha, em 2012, e hoje as imagens podem ser acessadas apenas para pesquisa. O episódio traz ainda a comovente história da princesa Alice de Battenberg, mãe do príncipe Philip diagnosticada com esquizofrenia, submetida a tratamentos não convencionais, que é contada de forma fiel.

#5 Golpe

Mountbatten tramou para derrubar primeiro-ministro? Nunca foi provado.

Louis Mountbatten, 1º Conde Mountbatten da Birmânia - Reprodução - Reprodução
Louis Mountbatten, 1º Conde Mountbatten da Birmânia
Imagem: Reprodução

The Crown narra o dia em que Lorde Mountbatten, oficial militar britânico e tio do príncipe Philip, foi convidado a participar e liderar um golpe de Estado contra o primeiro-ministro Harold Wilson, rumor que realmente chegou a circular —assim como a de que ele seria um espião soviético infiltrado, explorado no primeiro episódio da temporada.

Segundo o livro Spycatcher, de Peter Wright, ex-agente do serviço secreto britânico, Mountbatten chegou, sim, a se encontrar em 1968 com Cecil King, empresário da comunicação e membro do Banco da Inglaterra, para discutir a deposição de Wilson, o que supostamente deixaria as rédeas do país na mãos dele. Na versão de Wright, no entanto, Mountbatten descartou a ideia e a entendeu como traição. Não se sabe se a rainha sabia de tal reunião, mas, de acordo com o historiador Andrew Lowni, ela teve papel importante para dissuadi-lo de pretensões políticas.

#6 Tywysog Cymru

Charles foi estudar em Gales, mas discurso não foi tão revolucionário

A investidura do príncipe Charles em The Crown e na vida real - Reprodução/Netflix e Reprodução/YouTube - Reprodução/Netflix e Reprodução/YouTube
Imagem: Reprodução/Netflix e Reprodução/YouTube

O nome do episódio significa literalmente Príncipe de Gales em galês e é centrado na experiência de Charles (Josh O'Connor) no País de Gales antes de ser investido com o título nobre —uma experiência que corresponde bastante à realidade.

Em 1969, quando tinha 20 anos, Charles foi enviado parar passar dois meses na Aberystwyth College, estudando a língua e a história do país. Seu professor foi Edward Millward (Mark Lewis Jones), que de fato era adepto do nacionalismo galês. "Eu era um nacionalista bastante conhecido, então fiquei surpreso quando a universidade me pediu para ensiná-lo", disse Millward ao jornal The Guardian em 2015. Ao fim do curso, segundo ele, Charles já estava com uma boa pronúncia.

O discurso de Charles na investidura, no entanto, não foi tão direto quanto na série. Em vez de dizer que o País de Gales tinha "identidade e voz próprias", que deveriam ser respeitadas, o príncipe falou sobre "a determinação do País de Gales em guardar seu legado particular", exaltando a herança do local.

De acordo com documentos oficiais divulgados em 2000, o tom do discurso foi o suficiente para preocupar membros do Parlamento. George Thomas, secretário de Estado, chegou a expressar preocupação de que os galeses pudessem ter exercido muita influência sobre o príncipe.

#7 Poeira Lunar

Viagem à lua não desencadeou crise em Philip

Principe Philip em The Crown e na vida real - Divulgação e Getty Images - Divulgação e Getty Images
Imagem: Divulgação e Getty Images

A chegada do homem à Lua em 1969 se tornou uma metáfora para a crise de meia-idade do príncipe Philip, que ao fim do episódio encontra conforto espiritual na religião. Na verdade, porém, o consorte real estabeleceu sua relação com a fé cristã anos antes.

De acordo com Robert Lacey, historiador e consultor de The Crown, a St George's House, o centro para padres comandado pelo decano Robin Woods (Tim McMullan) e apoiado pelo príncipe, abriu em 1966, provendo "a dimensionalidade que Philip vinha buscando em sua vida espiritual".

Rainha Elizabeth 2ª recebeu Michael Collins, Neil Armstrong e Buzz Aldrin no Palácio de Buckingham - Bettmann Archive/Getty Images - Bettmann Archive/Getty Images
Rainha Elizabeth 2ª recebeu Michael Collins, Neil Armstrong e Buzz Aldrin no Palácio de Buckingham
Imagem: Bettmann Archive/Getty Images

Anos depois, os astronautas Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collin, realmente foram ao Palácio de Buckingham para uma visita oficial após voltarem da Lua, mas não há evidências de que Philip tenha requisitado um encontro particular com eles ou julgado os três por serem mundanos em demasia. Armstrong, no entanto, de fato estava resfriado durante a visita e cometeu uma gafe daquelas: tossiu bem na cara da rainha Elizabeth 2ª.

#8 Na Corda Bamba

Duque de Windsor não pediu desculpas à Elizabeth

O Duke de Windsor em The Crown e na vida real - Reprodução/Netflix e Getty Images - Reprodução/Netflix e Getty Images
Imagem: Reprodução/Netflix e Getty Images

O Duque de Windsor (Derek Jacobi), tio de Elizabeth 2ª que abdicou ao trono, é o maior destaque do episódio. À beira da morte, ele surge se desculpando pela atitude e entrega à rainha um pacote de cartas que trocou com o príncipe Charles. Nelas, o rapaz confessa inclusive seu amor por Camilla Shand (Emerald Fennel).

Nenhuma das duas coisas, no entanto, procede, de acordo com o jornalista e escritor Hugo Vickers, biógrafo de vários membros da família real. Ao jornal The Times ele afirmou que Elizabeth 2ª visitou o tio dez dias antes de sua morte, em 1972, mas chamou o pedido de desculpas de "absurdo". As cartas de Charles tampouco existiram.

#9 Imbróglio

Charles pode ter sido enviado para longe por causa de Camilla, mas conspiração familiar é improvável

Charles e Camilla em The Crown e na vida real - Divulgação e Getty Images - Divulgação e Getty Images
Imagem: Divulgação e Getty Images

O nono episódio da terceira temporada de The Crown se aprofunda em um dos romances mais escandalosos da família real: o de príncipe Charles e Camilla. A trama mostra uma articulação intensa por parte da família real para separar os dois, liderada por Lorde Mountbatten e pela rainha-mãe.

À revista People o historiador Robert Lacey disse que é improvável que essa parceria tenha acontecido, embora Mountbatten realmente possa ter mexido os pauzinhos para enviar Charles para longe e, assim, esfriar o romance do sobrinho com a plebeia. "Com certeza não é verdade que ele se aliou à rainha-mãe. Eles se odiavam! Mas é possível que Mountbatten possa ter agido em nome de preocupações familiares. Ele teria sido o meio para fazer isso".

Enquanto Charles estava longe, Camilla se casou com Andrew Parker Bowles, com quem namorava, entre idas e vindas, há quase sete anos. Andrew, aliás, realmente chegou a ter um affair com a princesa Anne.

#10 Cri de Coeur

Princesa Margaret teve romance intenso com jardineiro mais jovem

Margaret e Roddy em The Crown e na vida real - Reprodução/Netflix e Getty Images - Reprodução/Netflix e Getty Images
Imagem: Reprodução/Netflix e Getty Images

O caso extraconjugal da princesa Margaret com Roddy Llwellyn Harry Treadaway, um jardineiro 17 anos mais novo, é bem ancorado na realidade. Ele não foi tão breve como a série dá a entender, entretanto. Margaret e Roddy ficaram juntos por oito anos após se conhecerem por meio de Anne Glenconner, dama de companhia da princesa.

Margaret se encantou pelo rapaz e, de acordo com seu biógrafo Theo Aronson, ela realmente comprou para ele uma sunga decorada com a bandeira do Reino Unido após um almoço na casa dos Glenconners. Com cinco meses de relacionamento, os dois foram passar três semanas na ilha particular de Mustique, no Caribe, onde viveram em clima de lua de mel.

Em 1976, o caso se tornou público quando uma foto de Margaret e Roddy na ilha chegou aos tabloides. Marido da princesa, Anthony Armstrong-Jones aproveitou para pedir o divórcio, que foi finalizado dois anos depois. Não que ele fosse inocente, já que manteve relacionamento extraconjugal por anos com Lucy Lindsay-Hogg (Jessica De Gouw), que era chamada de "coisa" pela princesa.

Em meio ao caso com Roddy, Margaret realmente ingeriu muitos remédios para dormir, mas até hoje não se sabe ao certo se fora uma tentativa de suicídio ou não. O ato, no entanto, aconteceu antes do que é mostrado na série, quando Roddy partiu me uma viagem impulsiva para a Turquia.