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Doc revê suicídio "assistido" que levou namorada de vítima à cadeia nos EUA

Cena do documentário Eu te amo, agora morra: o caso Michelle Carter, da HBO - Divulgação
Cena do documentário Eu te amo, agora morra: o caso Michelle Carter, da HBO Imagem: Divulgação

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

03/09/2019 11h01

Eu Te Amo, Agora Morra (I Love You, Now Die) estreia hoje às 22h na HBO. Dividido em duas partes, o documentário que revive a história de Michelle Carter e Conrad Roy III terá sua primeira parte exibida hoje e a segunda em 10 de setembro, no mesmo horário.

Os adolescentes protagonizaram uma espécie de Romeu e Julieta moderno com o suicídio de Conrad Roy, em 2014, e a condenação de Michelle Carter por ter incitado o namorado ao ato pelo celular com mensagens de texto.

Na época, ele tinha 18 anos e ela, 17. O casal, que vivia em cidades diferentes nos Estados Unidos, manteve um relacionamento de cerca de dois anos com apenas cinco encontros nesse período.

Dirigido por Erin Lee Carr, Eu Te Amo, Agora Morra acompanha o julgamento de Michelle Carter em tempo real e recria a história do jovem casal ao mergulhar no conteúdo de todas as mensagens de texto trocadas entre eles e também ao entrevistar vários membros da família de Conrad Roy. A família de Michelle não quis participar, mas o advogado que defendeu a garota é uma das principais fontes do documentário.

Além de abordar o tema da tecnologia na construção de relacionamentos modernos e da questão jurídica que abriu um significante precedente na justiça norte-americana, a documentarista procurou focar na saúde mental. Há entrevistas com especialistas e registros de dados importantes do histórico comportamental tanto de Conrad, que já apresentava tendências suicidas antes mesmo de conhecer a namorada, como os de Michelle, que desde muito nova já fazia uso de medicação controlada e tinha outros problemas de saúde.

Erin Lee Carr - Divulgação/HBO - Divulgação/HBO
Erin Lee Carr, diretora de Eu Te Amo, Agora Morra
Imagem: Divulgação/HBO

O UOL conversou por telefone com a diretora Erin Lee Carr, que falou um pouco sobre o processo de contar uma história tão rica e delicada sobre um caso real que causou tanta comoção nos Estados Unidos e gerou debates acalorados não só na mídia, como dentro dos próprios lares.

Afinal, Michelle Carter foi ou não culpada pela morte de Conrad Roy III, mesmo 65 km distante da cena do crime? O filme não traz respostas fáceis para essa questão, mas certamente se aprofunda de forma inédita no caso.

Como você se envolveu com o caso e e por que decidiu fazer o documentário?

Fiz alguns trabalhos anteriormente em parceria com a HBO [No Coração do Ouro - O Escândalo da Seleção Americana de Ginástica e Mamãe Morta e Querida] que falavam um pouco da nossa relação com a internet e com as tecnologias. No caso da Michelle Carter, que foi acusada de enviar mensagens ao seu namorado o estimulando ao suicídio, senti que era algo impressionante e sem precedentes.

Mas o que eu queria mesmo era mostrar quem eram esses seres humanos por trás de todas as questões. Para mim isso não estava tão claro, e acredito que meu trabalho como documentarista seja de explorar isso e deixar tudo um pouco mais claro para o público. Mesmo que o que eu pense particularmente até hoje sobre tudo o que aconteceu não seja ainda tão claro.

A relação de Michelle e Conrad foi, basicamente, online. Você conseguiu ler todas as mensagens de texto que eles trocaram? Foram mais de 10 mil...

Sim, eu li. Eram mais de 10 mil mensagens trocadas entre eles, e isso é um volume enorme de informação. Ao mesmo tempo é um material incrível para entender o que era o relacionamento de Michelle e Conrad. As pessoas acabaram focando muito nas últimas mensagens que eles trocaram [antes de Conrad tirar sua vida], mas para entender realmente como era a relação deles era preciso ler todas essas mensagens.

Quanto tempo levou para ler todas essas mensagens?

Não lembro exatamente, mas aconteceu enquanto eu estava em Massachusetts. Reservei um AirBnb e fiquei lá por uns dias enquanto o caso corria na Corte. Dividi a tarefa com a minha produtora Alison Byrne. De vez em quando fazíamos uma pausa e comentávamos: 'Óh, meu Deus, você viu isso?', até a gente absorver toda aquela informação e começar a processá-la.

A Michelle foi condenada em fevereiro e o documentário saiu apenas alguns meses depois. Como foi trabalhar no documentário enquanto tudo acontecia?

Para mim foi muito chocante quando ela acabou encarcerada. Antes teve a condicional, mas o fato de ela ter ido realmente para a cadeia me pegou de surpresa. Então quando o documentário saiu [nos Estados Unidos a estreia foi em julho] foi muito dolorido saber que ela não poderia assistir. Se bem que mesmo que ela tivesse em prisão domiciliar não sei se ela teria assistido. A verdade é que tem muitos traumas envolvidos e eu não tenho certeza de como ela se sente sobre isso. Porém, em todos os filmes que eu faço gosto de ter a participação dos envolvidos e captar suas reações, conversar com eles. Então assim que ela sair [da prisão] meu objetivo é ir atrás dela e falar sobre isso. Claro, se ela quiser. Se ela não quiser também podemos falar apenas sobre a vida dela e coisas do tipo.

Pois, no fim, meu objetivo é retratar Michelle e Conrad da mesma forma como seres humanos. Sei que tudo o que aconteceu é terrível, mas todos precisam ter o mesmo tratamento.

Michelle Carter e seu advogado - Divulgação/HBO - Divulgação/HBO
Michelle Carter e seu advogado, Joseph Cataldo, no momento em que ela recebe a sentença
Imagem: Divulgação/HBO

Você fez um trabalho incrível mostrando os dois lados da história. Mas o caso de Michelle abriu um precedente. Você tem uma opinião pessoal sobre tudo o que aconteceu?

Eu não costumo compartilhar minha opinião pessoal. Mas a HBO gentilmente me cedeu 140 minutos para explorar essa história do meu ponto de vista. Então acredito que todos os meus pensamentos estão retratados de alguma forma ali.

Você teve de lidar com temas bastante sensíveis em um caso envolvendo dois adolescentes. Chegou a consultar algum especialista para tratar de assuntos como saúde mental? Quais cuidados toma ao tocar em tais temas?

Falei com um psiquiatra especialista em adolescentes que acabou aparecendo no documentário. E não estou falando de Peter Breggin, já que ele foi uma das testemunhas de defesa [de Michelle Carter]. Há também um trabalho nos bastidores para lidar com esses casos reais já que eu estava trabalhando, por exemplo, ao mesmo tempo nesse documentário e no No Coração do Ouro, que também está na HBO. Para quem vive em uma época de Donald Trump ou qualquer outro tipo de liderança como ele, há de se ter cuidado de sempre ouvir pessoas com vários pontos de vista diferentes, é assim que gosto de trabalhar.

O caso já havia sido muito discutido entre as pessoas que o acompanharam pela mídia, especialmente os americanos. Que tipo de reflexão você espera trazer agora com o documentário?

É uma boa pergunta. Pensei no que tinha que explorar nessa narrativa tão complicada. Muitas pessoas, especialmente aqui nos Estados Unidos, viam a Michelle apenas como mais uma menina bonita e cheia de privilégios. E, nossa, ela estava fazendo de tudo para que o namorado se matasse. Era muito cômodo para todos pensar assim. Então eu realmente tentei decifrar quem eram esses adolescentes e ir além do que eles falavam ao telefone. Tipo mostrar que ela também tinha problemas na escola da mesma forma que Conrad teve. O que significa nos sentir negligenciados? Quem estimula ainda mais a sua solidão?

Acho que muitas pessoas vão fazer essas perguntas. Mas o objetivo principal é que um caso como esse jamais se repita. Essa é a parte mais importante do meu trabalho.