Como Charles Manson tentou se lançar na música e falhou miseravelmente
Era uma vez em Hollywood um psicopata que chocou o mundo ao liderar em 1969 os assassinatos em massa que tiraram a vida da atriz Sharon Tate, manchando de sangue o ideário hippie em um dos capítulos mais tristes da história da cultura pop. E também era uma vez em Hollywood um aspirante a músico, que, apesar da determinação e de ter até certo talento, falhou miseravelmente na missão de atrair os holofotes e se tornar ídolo.
Interpretados mais uma vez pelo australiano Damon Herriman, agora em Era Uma Vez Em... Hollywood, novo filme de Quentin Tarantino que estreia na próxima quinta no Brasil, esses dois personagens são, na verdade, a mesma pessoa: Charles Milles Manson.
Esta é uma história importante, mas que, dada a amplitude dos acontecimentos, terminou em segundo plano: Manson era o que se pode chamar de "músico frustrado" e isso trouxe grave consequências. Dono de um histórico problemático, ele aprendeu a tocar violão em uma de suas várias passagens pela prisão, antes de se mudar para a Califórnia em 1967, na flor do movimento hippie, local ideal para um novo recomeço, desta vez na música.
Carismático e eloquente, ele logo se tornou amigo de nomes influentes, incluindo o de Dennis Wilson, baterista dos Beach Boys, que o apresentou a gente como Neil Young. Manson tinha ideias grandiosas e aos poucos foi ganhando seguidores. Sua "Família Manson"--um grupo de hippies problemáticos, geralmente vindo de famílias abastadas, que não se davam com elas, mas queriam compartilhar o desbunde-- ganhou corpo.
Ali Charles Manson era visto mais do que como mentor líder e mentor de párias. Era praticamente uma divindade, o que eclipsava seus graves problemas psicológicos e tendência ao crime. Nessa época, entre 1967 e 1968, ele chegou a fazer pequenas apresentações, munido de violão e influenciado pela crescente onde do folk psicodélico.
Seus dois grandes incentivadores na música eram Phil Kaufman, ex-colega de prisão e produtor, que o convenceu a criar coragem para fazer um disco, e Dennis Wilson, que o recebeu em sua casa e o auxiliou na logística da empreitada e em conseguir contatos.
Como nasceram as gravações
Em agosto de 1968, com apenas esboços de músicas e parca experiência, Manson começou a trabalhar em seu disco de estreia. Phil Kaufman assumiu o posto de produtor, com a benção de integrantes do Beach Boys.
O livro Manson in His Own Words, lançado em 1994, conta que Carl e Brian e Carl Wilson, irmãos de Dennis e estrelas do pop, chegaram a produzir dez faixas de Charles Manson no estúdio particular dos Beach Boys, mas essas versões jamais vieram à luz.
Entra idas e vindas, a maioria dessas músicas acabou registrada em outro estúdio de Los Angeles. Segundo testemunhas, as sessões eram caóticas, e muito do material parecia desconexo, com toques de amadorismo, embora com algum potencial. Ora acompanhado de integrantes de seu clã, ora solo, Manson cantava e tocava violão. Era um bom vocalista.
Com o tempo, no entanto, o projeto esfriou. Esperança de Manson, o produtor e empresário dos Byrds Terry Melcher, que fora apresentado por Dennis Wilson e que tinha sua própria gravadora, não se interessou nem um pouco pelo material.
Informação importante: anteriormente, o figurão filho da cantora Doris Day viveu por um tempo na casa em que Sharon Tate e seus amigos seriam brutalmente mortos. O crime teria sido uma espécie de recado/vingança pelos comentários negativos feitos por Melcher.
Com a inesperada notícia dos assassinatos cometidos nos dias 8 e 9 de agosto de 1969, a possibilidade de Manson lançar o trabalho em uma gravadora relevante, como a Capitol, dos Beach Boys, caiu por terra. Nos tribunais, ele atribuiu os homicídios à influência de músicas "pertubadoras" dos Beatles.
Segundo Kauffman, enquanto estava detido, antes de ser julgado, o amigo usava os telefonemas a que tinha direito para insistir que ele lançasse suas músicas o mais rápido possível, que elas tinham potencial para mudar o mundo, tal qual fizeram John Lennon e companhia.
O disco
O infame álbum foi lançado em março 1970, após Kauffman levantar US$ 3.000 e prensar 2.000 cópias sob o título Lie: The Love and Terror Cult. O lançamento foi realizado em parceria com um pequeno selo britânico chamado Awareness Records.
Em um primeiro momento, a distribuição ficou a cargo da Trademark of Quality, mesma gravadora que havia lançado e divulgado Great White Wonder, famoso disco pirata de Bob Dylan de 1969.
Lie trazia originalmente treze canções, gravadas entre 1967 e 1968, e estampava a a mesma foto de Manson usada na capa da revista Life em 19 de dezembro de 1969. No lugar do nome da publicação, a palavra Lie (mentira).
As cópias vinham com um pôster com assinatura de vários presidiários que se compadeciam com a "Família Manson". Estima-se que apenas 300 cópias foram vendidas. Hoje, elas valem uma pequena fortuna na mão de colecionadores.
Condenado à morte em 1971, com a pena transformada em prisão perpétua, Charles Manson cumpriu sentença até novembro de 2017 na Penitenciária Estadual de Corcoran, na Califórnia, quando morreu aos 83 anos no dia 19 de novembro, de causas naturais, após quatro dias internado.
Em entrevistas, o assassino confesso rejeitava discos lançados em seu nome, principalmente Lie: The Love and Terror Cult. "Esse foi feito com um pequeno gravador de US$ 7 e foi montado como uma peça de marketing. O cara ganhou uns US$ 700 com ele. Minha música [verdadeira] não foi gravada", afirmou em 1991.
Onde ouvir Charles Manson
Se você não tem problema separar autor e obra, Lie: The Love and Terror Cult, está disponível em plataformas de streaming em versão estendida, com 26 faixas que misturam folk, letras densas e certa melodia. Também está no YouTube. A qualidade sonora não é das melhores e algumas música ecoam o estilo folk rock experimental de Tim Buckley, pai do cantor Jeff Buckley.
Entre elas estão Look at Your Game, Girl, posteriormente regravada pelo Guns N´Roses, e "Cease to Exist", lançada pelos Beach Boys em 1968 com o título Never Learn Not to Love, mas com letra alterada e novo arranjo.
Vários outros discos de Manson e membros de seu clã foram lançados por pequenos selos ao longo das décadas, incluindo músicas gravadas por ele enquanto cumpria pena e faixas declamadas. Esse material, que passou à obscuridade, ainda hoje é motivo de polêmica.
Parde dele já foi sampleado, adaptado ou coverizado por diversos outros artistas, como Front Line Assembly, GG Allin, Rob Zombie, Redd Kross, The Lemonheads, The Brian Jonestown Massacre, Devendra Banhart e Marilyn Manson, que se inspirou em Charles Manson para forjar seu shock rock e alcunha.
Seja por provocação ou por alguma influência sonora, Manson vive, continua habitando a cultura pop e provavelmente jamais será esquecido --da pior forma possível.
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