Lázaro Ramos: Sofro com intolerância, e o melhor é continuar contando histórias
Ator, escritor, apresentador e cineasta, Lázaro Ramos acaba de embarcar em uma nova e desafiadora empreitada artística: a música. Seu novo ofício --se é que dá para classificá-lo dessa forma--, no entanto, é voltado a outro tipo de público, aquele que ainda não tem dinheiro para comprar um disco, mas que já consegue ouvir e "desouvir" tudo nas plataformas de streaming.
O álbum infantil "Viagens da Caixa Mágica", lançado na semana passada, é baseado em dois livros de poesia escritos por Lázaro para os filhos João Vicente e Maria Antônia. São dez faixas, todas com videoclipes.
O trabalho é uma parceria com a atriz e cantora Heloísa Jorge e o músico Jarbas Bittencourt, diretor musical do Bando de Teatro Olodum, onde Lázaro aprendeu a atuar e cantor. O trabalho multimídia ainda traz participações das cantoras Lellê e Jéssica Ellen.
Com sonoridade que se aproxima dos Tribalistas, mas com toques de Castelo Rá-Tim-Bum. Lázaro tem dois desafios com o disco --um disco de fato, já que também foi lançado em LP: 1) falar de amor, identidade e afetividade para crianças cada vez mais conectas nas telas de celular; 2) combater, ainda que indiretamente, a intolerância de um país cindido na política e redes sociais.
"Hoje, cada vez mais, acho que a possibilidade de trabalhar com arte e comunicação abre um lugar para fazermos diferente. Para a gente não ficar naquele lugar que cansa todo mundo, sabe? É uma rotina muito cansativa quando você permanece só no conflito", diz ao UOL o agora cantor Lázaro Ramos, que, no entanto, faz questão de frisar: uma carreira na música popular está fora de cogitação.
UOL - O quanto estrelar Mister Brau, que que você vivia um cantor, influenciou no lançamento do disco?
Lázaro Ramos - Mister Brau me deu coragem. Eu digo que sou um ator que faz personagens que cantam. Com o Mister Brau, forçadamente, ao longo de quatro temporadas, gravei 45 músicas. O ambiente de convivência com músicos virou algo mais natural, e eu perdi o medo.
Eu não tinha pretensão de lançar um álbum musical. Pedi para o Jarbas fazer uma música, e ele fez dez. Todas muito legais! Nada do que fiz para criança foi planejado. Os primeiros livros escrevia para mim, não para mostrar e publicar. Depois a coisa ia amadurecendo e eu ia entendendo que dava para ser um livro. Neste caso, virou um projeto musical. Ele ainda vai ganhar uma continuação, baseado em outro livro meu, inédito.
Seus filhos são a inspiração para o disco, mas vocês não costuma expô-los à mídia como outros artistas. Por quê?
Acho que tem que ser uma escolha deles, né? Não posso, como pai, ultrapassar o direito deles de serem pessoas públicas ou não. É uma preocupação que a Taís [Araújo] e eu sempre tivemos. Não é porque eles são filhos de pessoas públicas que eles também precisam ser.
Por que lançar um disco físico em LP, um formato caro e de pouco alcance?
São valores. Pra mim, uma infância saudável precisa de um equilíbrio entre coisas mais artesanais, de sensações mais afetuosas, e o entedimento que a tecnologia está aí. Por isso lançar o vinil foi um investimento mesmo. Ao mesmo tempo, lançamos um vídeo interativo, de realidade virtual. Resolvemos contemplar as duas pontas.
Entendemos que as crianças já estão na internet. Já nasceram grudadas. Mas há outra maneira de interagir. No vídeo, a gente tirou os óculos de realidade virtual, que as isolam, mas mantivemos uma interação mais palpável.
Por que homenagear Gilberto Gil em "Uêpabê Mamá"?
O disco é todo inspirado na minha relação com meus filhos. Os temas vêm da relação com eles. A músico do Gilberto Gil sabe como aconteceu? João viu uma vinheta do [canal infantil] Gloob, que tinha o Gilberto Gil cantando. Eu falei: "Ó, filho, esse aí é o Gilberto Gil". Ele nunca tinha ouvido nada dele.
Depois fomos ao Carnaval de Salvador e saímos no bloco Filhos de Gandhy, e o Gil estava lá. Falei: "João, esse é que é o Gil do Gloob". Olha que maravilha! (risos) Ele passou o circuito inteiro olhando pra ele, e quando chegamos em casa botei para ele ouvir "Palco". Ele falou: "Pai, obrigado por me apresentar Gilberto Gil. Todo mundo deveria conhecer Gilberto Gil". Isso é inspiração.
Você é uma espécie de catalisador da arte negra no Brasil, que vive um momento de intolerância. Como você se sente?
Eu sofro com isso, mas ao mesmo tempo sei que tenho uma profissão abençoada que me dá uma grande possibilidade de comunicação. É incrível ter uma profissão como a minha, que lida com sentimentos, com humor, que traz leveza, que lida com afeto. Acho que não posso estacionar nas dores que esses conflitos geram. Eu tenho que usar o meu trabalho para possibilitar aquilo que eu acredito. É possível falar dessas questões com minha voz.
E qual é sua voz?
É a de uma pessoa bem-humorada. De uma pessoa que tem talentos artísticos para provocar outros lugares da discussão, para não ficar só no racional. O projeto do álbum, por exemplo, não fala diretamente dessa questão, mas só de eu estar fazendo, de ter a Heloísa, de ser uma música com afetividade, carinho, para falar sobre coração e sobre ser contemplado e acolhido, já é uma maneira de combater tudo isso [a intolerância].
Muitos artistas dizem que a cultura vem sendo criminalizada no Brasil. Você faz coro a esse discurso?
Não posso dizer que sou um otimista. Mas acho que sou um homem da ação. Em qual ação acredito? Acho que uma boa história é algo que todo mundo gosta de ouvir. E o que nós artistas fazemos é contar histórias. A arma que a gente tem é essas. Dificuldade vai ter sempre. Mas a maneira de lidar com minha profissão sempre foi a de ir abrindo portas e ir fazendo. E contando histórias.
Hoje o que eu penso é continuar contando histórias e entender os ouvidos que eu tenho. A gente gosta de história. Está na nossa essência. Desde o princípio do mundo em que a gente se sentava em volta de uma roda pra ouvi-las.
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