"Chernobyl" mostra o pior e o melhor da humanidade, diz criador da série
A explosão da Usina Nuclear de Chernobyl em 1986, na Ucrânia, foi um dos maiores desastres da humanidade. E, enquanto o mundo estava de luto, muitos especialistas tentaram entender o que realmente havia acontecido ali.
A minissérie da HBO "Chernobyl" se debruça sobre a história acompanhando o trio formado pelo cientista Valery Legasov (Jared Harris), a física Ulana Khomyuk (Emily Watson) e o vice-presidente do Conselho de Ministros Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård).
Craig Mazin, criador e produtor do projeto, falou com a imprensa brasileira sobre detalhes cruciais da história e ressaltou que vemos o melhor e o pior da humanidade na produção. O segundo episódio da série vai ao ar hoje, às 21h, na HBO.
O que levou você a pensar: "eu quero escrever sobre isso agora?"
Craig Mazin - Há cinco anos vi um artigo sobre a construção de uma nova unidade de contenção de Chernobyl. Aí eu pensei que, como quase todo mundo, eu sabia que Chernobyl tinha explodido, mas não sabia por quê. Era impressionante. Então comecei a ler sobre o assunto. Dois fatos me chamaram a atenção imediatamente. O primeiro era que na noite da explosão estavam fazendo um teste de segurança.
Era uma ironia incompreensível: um teste de segurança tinha provocado a explosão de um reator nuclear. O segundo fato que me chamou a atenção foi que o homem encarregado de apagar o fogo, limpar e descobrir como aquilo tinha acontecido se suicidou dois anos após a explosão.
Quanto mais eu lia, mais histórias descobria. Era quase impossível enumerar a quantidade de histórias chocantes, brutalmente reveladoras, inspiradoras, desanimadoras que existiam. Trabalhei com esse riquíssimo material para mostrar o melhor e o pior da humanidade.
Você conseguiu incluir todas essas histórias?
Não. Muitas vezes era difícil acreditar no que aquilo havia acontecido. Se eu estivesse escrevendo uma obra de ficção, as pessoas diriam que era irreal, porque o nível de negação --principalmente na noite da explosão em si, mostrada no primeiro episódio-- é profundamente chocante. Algumas vezes tive que tornar os fatos menos agressivamente verdadeiros.
Quais histórias você contou?
Muitas. Histórias de médicos que estavam trabalhando em Pripyat naquela noite. De funcionários da usina que pensaram que tinha havido um ataque. De homens anônimos recrutados para subir até um lugar coberto de grafite radioativo e receber em 90 segundos no mínimo a dose de radiação tolerável em uma vida inteira. Nós contamos a história de bombeiros e da viúva de um deles, Lyudmila Ignatenko, que falou de modo eloquente e muito bonito sobre ter visto seu marido morrer
Acompanhamos o cientista Valery Legasov, encarregado pelo governo soviético de supervisionar os trabalhos. Também temos a personagem Emily Watson, que representa todos os muitos cientistas que, além de arriscarem sua segurança pessoal ficando em volta do reator, arriscaram sua segurança desafiando o Estado.
Você colocou a explosão no primeiro episódio e depois lidou com o impacto. Houve a tentação de mostrar a história até acontecer a explosão?
Todo mundo sabe que a usina explodiu. Eu não ia fazer as pessoas esperarem por isso. E a beleza terrível de Chernobyl é o que aconteceu depois. Quando um reator nuclear explode, o horror não é a explosão em si, mas as consequências disso. O que eu achei comovente foi a beleza das histórias humanas, terríveis e dilacerantes, mas ao mesmo tempo edificantes.
Quanto você pesquisou? Você tentou abranger tudo?
Eu segui os meus interesses. É preciso entender a ciência e a medicina. Fui à USC [University of Southern California] e um professor de física nuclear me explicou como um reator nuclear funciona. Eu li muito. Era fundamental entender detalhes como o que jovens usariam para serem enviados para a área da explosão. O que eles sabiam sobre radiação? Que tipo de arma colocaram na mão deles? Esse tipo de coisa.
Foi fácil fazer o roteiro?
A primeira pessoa com quem eu conversei foi a Carolyn Strauss, que também é amiga do pessoal de "Game of Thrones". Eu fui com ela à HBO e eles me deixaram escrever. Não poderia ter sido mais fácil. Se nós pensássemos em alguém, eles concordariam em trazê-lo. Escrevi os roteiros pensando no Jared Harris, no Stellan Skarsgård e na Emily Watson, e eles aceitaram.
Nós assistimos a essa memorável minissérie do Johan Renck, e eu achei que ele seria ótimo --e ele quis fazer. A série é terrível e angustiante, mas o processo de fazer foi uma verdadeira alegria.
Por que é importante contar esta história agora?
Nós vivemos em uma época em que as pessoas parecem estar voltando ao conceito nocivo de que o que nós queremos que seja verdade é mais importante do que a verdade em si. É como se a verdade tivesse virado piada. Uma das lições mais importantes de Chernobyl é que a verdade não depende de nós. O sistema soviético estava mergulhado no culto de uma narrativa, e um dia a verdade veio à tona.
Por isso esta história é mais relevante do que nunca. Nós podemos fingir. Nós podemos inventar nossas histórias. A verdade não quer saber. Ela será o que é. Essa é a lição. Acho que a lição bonita de "Chernobyl" é que, mesmo em uma situação de desastre, as pessoas erguem a cabeça e se comportam de modos nobres e notáveis.
A produção foi extremamente ambiciosa. O que isso envolveu?
Nós estávamos contando uma história europeia, em uma produção da Sky com a HBO, então tinha sentido que o nosso quartel-general fosse na Grã-Bretanha. Para recriar os anos 80 na então União Soviética, precisávamos filmar na Lituânia. No set de filmagem, a dimensão e a ambição da nossa produção eram impressionantes, com um nível de detalhes e precisão essenciais para a nossa filosofia. Tudo que se vê corresponde à realidade daquele lugar naquela época, até o mínimo detalhe da roupa de cada figurante, que eram centenas.
Tudo sob a supervisão da nossa figurinista Odile Dicks-Mireaux. A equipe de design da produção, liderada pelo Luke Hull, supervisionou a demolição de estruturas abandonadas para obter entulho, parte do processo de transformar o cenário no interior da usina de Chernobyl. Centenas de pessoas em Londres, na Lituânia e em Kiev trabalharam para isso, e eu tenho muito orgulho e sou muito agradecido pelo trabalho que elas fizeram.
Como o nível de investimento na série afetou o modo de encarar o projeto?
No melhor dos mundos, o investimento não condiciona a criação. Na verdade, a criação exige um certo nível de produção, e esperamos que alguém aceite financiá-la. No nosso caso, foi exatamente isso que aconteceu. Eu escrevi "Chernobyl" sem nenhuma preocupação especial com o orçamento. Minhas limitações eram criativas e dramáticas, e nos meus padrões.
Felizmente, a nossa equipe de produção --liderada pela Jane Featherstone, pela Carolyn Strauss e pela Sanne Wohlenberg-- conseguiu essa parceria da Sky e da HBO e obteve os recursos de que nós precisávamos para fazer justiça a essa parte relevante da história. Todo mundo entendeu a importância de fazer isso bem-feito.
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