"O Mecanismo" atira para todos os lados e volta melhor em segunda temporada
Inspirada na Operação Lava Jato, a série "O Mecanismo" levou uma saraivada de críticas quando estreou, no ano passado. Em meio ao clima de polarização pré-eleições, a produção do diretor José Padilha ("Tropa de Elite") gerou mais controvérsias do que o noticiário político, principalmente por conta de sua representação dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
A segunda temporada, que estreia hoje na Netflix, parece querer se redimir das controvérsias - e consegue. Mais equilibrada, ela atira para todos os lados e tece, de forma a didática, uma trama que mostra como a investigação conduzida na ficção pela delegada Verena Cardoni (Caroline Abras) e pelo delegado aposentado Marco Ruffo (Selton Mello) foi usada para fins políticos, culminando no impeachment da presidente Janete Ruscov (Sura Berditchevsky).
O novo tom é anunciado já com a abertura repaginada da série, um compilado de imagens de políticos da vida real ao som do samba "Reunião de Bacanas", com seu verso mais famoso: "Se gritar 'pega ladrão', não fica um meu irmão". É um reforço para a tese apresentada por Padilha apresentada já na primeira temporada, de que o mecanismo que sustenta a corrupção está em todos os lugares (e partidos).
O núcleo de Brasília, entretanto, demora a aparecer no roteiro de Elena Soarez. A primeira metade da nova temporada se concentra em Curitiba, acompanhando os investigadores enquanto eles apertam o cerco a Ricardo Bretch (Emílio Orciollo Netto), a versão para TV do empresário Marcelo Odebretch. É uma trama instigante, especialmente quando deixa de lado os dramas pessoais dos agentes e coloca em cena Orciollo Netto, que entrega uma performance contida para um personagem obsessivo, com requintes de sociopatia.
A série traz seu melhor, porém, quando o núcleo político ganha tração, com as articulações e o jogo de interesses travados por Lucio Lemos/Aécio Neves (Michel Bercovitch) e Samuel Thames/Michel Temer (Tonio Carvalho) O ápice vem nos dois últimos episódios da temporada, habilmente dirigidos por Daniel Rezende ("Bingo - O Rei das Manhãs"), que consegue criar sequências cheias de nuances para retratar a condução coercitiva de João Higino/Lula (Arthur Kohl) e a votação do impeachment de Janete/Dilma na Câmara dos Deputados.
Reforçando a intenção de "O Mecanismo" de disparar contra todos, a frase sobre "estancar a sangria", que causou controvérsia ao ser colocada na boca de Higino/Lula na primeira temporada, agora sai dos lábios de Lemos/Aécio. A série ainda ressalta os avanços sociais conquistados pelo governo Lula e coloca, de forma melancólica, como a operação Lava Jato acabou cooptada por forças políticas que queriam, no fim, acabar com ela - e acabaram abrindo caminhos também para a ascensão da extrema direita.
Já no que se refere aos aspectos técnicos, a série voltou melhor, construindo a história de forma mais ágil e mais bem amarrada. Continuam a doer nos ouvidos, porém, as frases pobres e cheias de lugares comuns que o roteiro insiste em colocar na narração de Selton Mello, um recurso já explorado à exaustão em outras obras de Padilha, como "Tropa de Elite" e "Narcos". Pelo menos, os problemas de áudio da produção foram resolvidos, e agora é possível ouvir bem o protagonista e seus colegas.
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