Justiça nega a pais entrada de menores de dez anos em show de Paul McCartney
A classificação etária de dez anos de idade para os shows de Paul McCartney no Brasil, que acontecem esta semana em São Paulo, no Allianz Parque, e em Curitiba, no estádio Couto Pereira, está causando indignação em pais e deixando advogados em dúvidas sobre os critérios utilizados pela produtora Time For Fun, que traz o ex-beatle pela segunda vez seguida ao país.
A situação é semelhante à da última turnê, em 2017, e esbarra na interpretação do texto da lei e no próprio sentido da legislação, que chegou a ser questionada na Justiça por fãs. Procurada pelos UOL, a T4F, que estabeleceu a restrição baseada na sinalização do Ministério da Justiça, afirmou que não irá comentar o caso.
Qual é o argumento dos pais?
Para tentar entrar nos shows com os filhos, pais entraram na Justiça baseados no artigo 75, parágrafo único, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que garante o ingresso e permanência de menores de dez anos em espetáculos públicos quando acompanhadas de responsável.
A portaria do Ministério da Justiça vigente sobre o assunto, a número 368, de 11 de fevereiro de 2014, diz ainda que cabe aos pais "autorizar o acesso a obras classificadas para qualquer idade, exceto não recomendadas a menores de dezoito anos", que não é o caso do show de Paul McCartney, artista considerado "família", com muitos seguidores crianças e adolescentes.
A empresária paulista Luciane Saldanha, 42, mãe de Gustavo, de seis anos, foi uma das que decidiu entrar com uma ação para que o filho, conhecido por cantar músicas dos Beatles na internet e pelo apelido de "Mini Paul", pudesse realizar o sonho de ver o ídolo de perto. Com aval do Ministério Público, a Vara da Infância e da Juventude de São Paulo decidiu negar todas as solicitações.
"É um absurdo. A Justiça fala em falta de autonomia da criança. Mas eles não proíbem deficiente físico, por exemplo, que não tem nenhuma capacidade de entrar desacompanhado de adulto. Vemos isso mais como uma proteção da empresa para ter uma responsabilidade a menos no local", desabafa ao UOL Luciane, que comprou o ingresso mesmo sabendo da proibição e teve de sorteá-lo.
"Um jogo de futebol é potencialmente muito mais arriscado para a segurança de uma criança do que um show de um septuagenário", afirma o jornalista Ricardo Alexandre, que passou pela mesma situação há dois anos com o filho Murilo, que completa dez anos dez dias após o primeiro show de Paul McCartney em São Paulo e, por isso, ficará mais uma vez de fora. "Eu me dou o direito de desconfiar de que podem estar limitando a carga de ingressos de meia-entrada. Mas parece que existe algo que eles não querem assumir, algo que não ilegal, mas também não é a 'digno'."
O que diz a Justiça
No entendimento da Vara da Infância e da Juventude de São Paulo, a T4F é incapaz de zelar pela total segurança de crianças menores de dez anos nos shows de McCartney no Brasil. O UOL apurou que, nos processos, que correram em segredo de Justiça, a produtora apontou como impróprios o "conteúdo da apresentação", as "proporções do evento", o "horário de realização" [a partir das 20h30 em São Paulo e 21h30 em Curitiba] e o público-alvo do artista.
"Evento será realizado à noite, com vendas de bebidas alcoólicas (embora rigorosamente controlada), enorme público de adultos, em estádio de futebol e com efeitos de luz e som intensos. Além de aspectos que já exigem um maior cuidado, como som e luz intensos, o grande público e o espaço em que será realizado o evento tornam impossível que a empresa provenha a segurança ideal para a crianças menores de dez anos", justificou a produtora em juízo.
"Não cabe, portanto, a este juízo, especialmente considerando a responsabilidade civil em questão, classificar o evento como adequado para menores de dez anos, nos termos do artigo 75, parágrafo único do ECA, autorizando a entrada do requerente, quando a própria organizadora do evento a restringe por motivos explicitados", escreve a sentença da Vara da Infância e da Juventude.
Para o Ministério Público, é a produtora, que define a classificação indicativa de seus eventos, que precisa dar garantias das condições de seguranças e circulação das crianças, e isso não foi feito. Segundo a promotora de Justiça Maria Fernanda de Lima, responsável pelo parecer que baseou a decisão da Justiça, não houve má-fé por parte da T4F. "Se ela diz que não pode garantir a segurança, apresentando uma série de fatores, não sou eu que vou menosprezar a integridade de quem tem até dez anos."
O que dizem especialistas
Advogados ouvidos pelo UOL entendem que a questão da classificação etária se tornou polêmica e tem como pano de fundo o debate sobre a sobreposição dos limites da lei e o poder de tutela dos pais. A questão ganhou repercussão em 2017 após a exibição da performance "La Bête" no MAM (Museu de Arte Moderna), em São Paulo, foi criticada por vozes e políticos conservadores por exibir nudez a um público que contou com adultos e crianças.
"Do ponto de vista legal, não há, num primeiro momento, nada que impeça a presença da criança menor de dez anos no show do Paul McCartney. E não vejo nas informações divulgadas, sobre o fato de ser um show em um lugar aberto, com muita gente, ser um impeditivo para esse tipo evento", opina o advogado Ricardo de Moraes Cabezón, ex-presidente da Comissão de Direito Infantojuvenil da OAB-SP, que também cita jogos de futebol que ocorrem no mesmo horário e local com censura livre.
Já para o advogado Ariel de Castro Alves, integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos, mesmo que não consiga garantir segurança, falta transparência à Time for Fun, que até o momento da publicação deste texto, véspera do show, não havia atualizado em seu site o alvará dos shows, com os critérios da classificação de dez anos. As duas turnês mais recentes de Paul McCartney no Brasil, ambas produzidas pela T4F e com a mesma classificação, aconteceram após a polêmica do MAM.
"Os produtores sabem que, se algo acontecer com uma criança de menos de dez anos, eles podem sofrer grandes processos de indenizações de danos morais e materiais", afirma Alves. "O ideal, para não frustrar a expectativa dessas crianças, seria estabelecer setor específico para elas. Isso poderia ter sido tratado por meio da mediação da própria promotoria da Infância e Juventude, com a fiscalização do local."
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